quarta-feira, 20 de maio de 2015

O empiricismo sociológico no Direito e a ruptura com a abstração normativa

Fonte da imagem: El país

Fecundo século XIX no mundo jurídico: desde o apogeu do Positivismo, passando pelos últimos suspiros do Historicismo, a marca maior da época relacionava-se à miríade de concepções sobre o Direito, dentre as quais o Sociologismo Jurídico ou Escola Sociológica do Direito.

Alguns sociólogos negam - de carteirinha e não sem razão - a existência de uma escola "sociológica", aduzindo que se trata de assunto a ser estudado no campo da Sociologia. Outros operadores e professores de Direito perfilham o mesmo, argumentando se tratar de assunto extrajurídico. 

Mas o paradigma em questão não se alinha a um campo epistemológico estrito da Sociologia, uma vez que não se trata de um olhar sociológico - e externo - sobre o Direito, mas, antes, uma visão endogâmica (do Direito em relação às suas formas de resolução de demandas) e autorreferencial, na qual o Direito elabora soluções jurídicas a partir do diálogo direto com os influxos sociais. 

Para o paradigma em questão, as regras jurídicas devem, acima de tudo, servir a finalidades relacionadas ao bem comum (uma concepção bem aristotélica e finalística), o que representou uma ruptura com a ideia de unidade histórica pré-constituída do Historicismo, ou, ainda, com a abstração normativa do positivismo. 

A tarefa do juiz, nesse paradigma, consiste em avaliar os riscos, bem como o impacto social de suas decisões, contrariamente a uma ideia de que a lei - e, portanto, o Direito - destinam-se a regrar a vida humana sem maiores pretensões de se vincular à eficácia ou legitimidade dos julgados.

Ballot-Beaupre, citado por Alexandre Araújo Costa, afirmava que o texto da lei deveria se adaptar "às exigências da vida moderna", invertendo, assim, a compreensão sobre o Direito (norma/sociedade para sociedade/norma). Além dele, outros importantes autores desenvolveram suas peculiares formas de concepção do Direito.

Para Bentham, o Direito deve proporcionar a máxima felicidade social, aterrando-se na concretização de uma teleologia (finalidade da norma). Já para Ihering, o Direito, como toda criação, deve existir por conta da vida humana, e não o contrário ["a vida não é o conceito; os conceitos que existem por causa da vida"].

O famoso juiz Magnaud (o bom juiz francês), o Direito deve se imbuir da finalidade de favorecer os miseráveis, sendo rigoroso com os privilegiados, sendo, outrossim, duramente criticado por François Geny, para quem faltava um rigor técnico-científico, comprometedor da segurança. Magnaud foi duramente criticado, ainda, por imprimir uma apreciação subjetiva em relação ao que julgava, dentro das bases acima, o que, para Geny, comprometeria o ponto central de elaboração de uma metodologia do Direito: segurança.

Não se pode deixar de lembrar de dois outros grandes nomes, Ehrlich e Kantorowicz, impulsionando uma tradição germânica. O primeiro claramente entendia que a atividade judicial é pessoal, apregoando abertamente a necessidade de se afastar da literalidade da lei quando esta for injusta, principalmente se não refletirem valores sociais, que devem ser o vetor da atividade do juiz (ou seja, diferentemente de Magnaud, para Ehrlich os valoes do juiz devem ser afastados em nome de um foco social). 

No movimento do direito livre de Kantorowicz, o Direito deve representar uma elaboração pulsátil e vívida, construída tanto pelas decisões judiciais, quanto pela sociedade (membros) e pela epistemologia (ou seja, pelos estudiosos que elaboram a ciência do Direito). 

Já que estamos em uma seara mais empiricista e realista (anteriormente vimos a nítida contribuição de Aristóteles para essa percepção do Direito), não posso deixar de citar, ao menos, a contribuição filosófica de Nietzsche e Schopenhauer, uma vez que dissociam o substrato humano (que, ao final, é o vetor de tudo que estamos conversando) de um mundo etéreo e ideal (de cunho latônico), que, ao final, alimentou boa parte da literatura jurídica, desembocando, por exemplo, na construção de conceitos a priori de Kant.

Em duas outras postagens falo especificamente da contribuição de Nietzche para desconstruir um dos pilares que sustenta a teoria do crime e, especificamente, o finalismo (ou seja, a ideia central de que um ser humano age LIVREMENTE em busca de consecução de finalidades: dentre as quais, cometer condutas tidas como ilícitas). 

A contribuição dele consiste em tecer, sobretudo no livro Genealogia da Moral, uma tessitura em torno do conceito de Justiça, fazendo-o de forma rasgada e visceral, a partir da concepção de relativização do conceito de bem e mal, sobretudo sob a ótica da vitimização e do ressentimento. Mas esse tema desenvolverei mais tarde. O trabalho de Rodrigo Rosas Fernandes está excelente, nesse sentido: Nietzsche e o Direito

Schopenhauer, por sua vez, não desenvolveu diretamente considerações que envolvessem o Direito, mas sua célebre construção sobre o "direito de mentir" tornou-se ícone no âmbito jurídico e moral, sobretudo, em matéria criminal. 

No outro lado do Atlântico formou-se uma tradição que fincou raízes até hoje: o realismo jurídico. Neste sentido, fecunda a abordagem do tema à luz da literatura estadunidense, pautada em uma concepção de direito fortemente marcado pelo pragmatismo[1] e pela produtividade, resultado direto de uma longa evolução histórica de gerenciamento e administração judiciária, compatíveis, neste contexto, com atual tendência globalizante de celeridade na aplicação de justiça (SILVA, 1998, p. 84).

Observa-se, ao longo do passado histórico, a consolidação de um pensamento jurídico e sociológico nos Estados Unidos voltado para o funcionalismo da estrutura jurídico-normativa, acompanhando a complexidade das relações sociais verificadas na colônia inglesa e refletindo, já no séc. XVIII, o ideário protestante de busca da satisfação de interesses dos imigrantes que aportaram na costa das Treze Colônias (FRIEDMAN, 1972, p. 79).[1]

O primeiro ingrediente a particularizar o estudo proposto pode ser interpretado à luz da multiplicidade na adaptação dos institutos jurídicos metropolitanos às particularidades de cada colônia estadunidense, individualizadas segundo critérios econômicos, sociais e culturais, flexibilizando, deste modo, o vigente direito medieval inglês e adequando-o aos problemas locais, presentes na conjuntura de formação do recente país em desenvolvimento[2].

Este raciocínio oferece suporte à busca pela otimização do funcionamento da administração da justiça, destacando a predileção pela força vinculante da doctrine of precedents, legitimada por: equality (extensão do decisum aos casos que guardem similitude em sua ratio essendi); predictability (antevisão dos resultados por parte dos operadores do direito ante à existência de um precedente regulador); economy (economia processual, ante à existência de issues decididos), e, finalmente, ponto vital para a análise a respeito do controle social, respect (como caráter solene de respeito ao cumprimento das normas) (SOARES, 1999, p. 41).

Tal pensamento resultou na proliferação de diversas escolas de pensamento, quer seja na figura da analytical jurisprudence, reduzindo a regulação à força dos precedentes, como também na sociological jurisprudence (melhor observada na obra de Pound, que direciona direito e controle social sob o prisma integrado das instituições, teorias jurídicas e das decisões judiciais) e no legal realism, caracterizado pelo estudo de denominados pressupostos sociais e psicológicos da sentença (GUSMÃO, 1955, p. 134)[3].

Em História de la filosofia del derecho, Fasso (1977) vê na obra de John Dewey importante foco de sustentação do instrumentalismo jurídico-normativo em face de uma perspectiva orgânica de sociedade, atribuindo-se ao magistrado a construção do direito por intermédio do case method que, legitimado como modelo jurídico, tem o condão de reunir em seu conteúdo as aspirações e os auspícios de uma reputada sociedade participativa.

Outra vertente precursora da noção de controle social encontra na sociological jurisprudence[1] de Roscoe Pound a sistematização do direito como forma assecuratória do progresso e bem-estar da civilização, advinda com práticos e funcionais objetivos no sentido de imprimir uma melhoria na ordem jurídica então vigente.

Relativista e historicista, Pound era, antes de tudo, profundo cético em relação à existência de um direito eterno e imutável, acreditando, ao contrário, que a ordem jurídica era flexível e instável, em virtude das condições sociais subjacentes, tornando-se vital o estudo histórico de um povo, à guisa de condição necessária para se decifrar eventuais problemas aparentemente sem solução para o jurista[2].

Instado a discorrer sobre a essência da justiça e a finalidade da lei, Pound pontuou que:
O que a lei tem procurado fazer é ajustar as relações e regular a conduta, de sorte a proporcionar o maior efeito ao plano inteiro de expectativas dos homens, na sociedade civilizada, com um mínimo de atrito e desperdício. Muitas vezes o melhor que se  tem mostrado capaz de realizar é elaborar grosseira transigência entre expectativas em conflito, recomendadas por grupos fortes ou indivíduos insistentes, em boa fé e crença confiante na legitimidade intrínseca que possam ter. (1976, p. 31)
Para ele, o direito é uma engenharia social, construída no sentido de promover a regulação das relações interindividuais, por meio da ação de uma sociedade politicamente organizada, conciliadora dos desejos, das necessidades e expectativas humanas, maximizando-as para alcançar a totalidade de satisfação (POUND, 1976, p. 32-33).

A finalidade da sociological jurisprudence, segundo a visão de Gusmão, é avaliar quais as doutrinas e instituições que produzem uma gama maior de resultados positivos, visando, assim, “esclarecer o funcionamento do direito, abandonando as abstrações jurídicas, preocupando-se mais com a realidade social do direito, do que com as complicadas construções da lógica jurídica” (1955, p. 49).

O direito, nessa abordagem, é:
Uma instituição social destinada a satisfazer as necessidades sociais, atingindo os melhores resultados sociais, mediante o mínimo de sacrifício dos interesse em conflito, através de uma ordenação da conduta humana, em uma sociedade politicamente organizada” (GUSMÃO, 1955, p. 50)
revestindo-se um ideal jurídico na satisfação harmônica dos interesses sociais, ante à otimização entre a satisfação do maior número de pretensões, sopesando os gastos e atritos, mediante conciliação, na qual o interesse social se sobreleva ao individual, na figura do Estado como protetor dos interesses individuais[3].

Benjamin N. Cardozo, por seu turno, aponta para a criação do direito com base em uma multiplicidade de parâmetros conjugados: postulados racionais, hábitos de vida, instituições e costumes, atentando para o caráter de flexibilidade e mutabilidade destes fatores, a teor do pensamento esboçado por Rodrigues (1943) em A natureza do processo e a evolução do direito[4].

Em outro entendimento, Feibleman percebe o fenômeno jurídico a partir da compreensão de adesão à ordem, tomada com base em princípios absolutos de orientação para a regulação social, elaborados com a finalidade de conter disposições abrangentes o bastante para serem aplicadas aos casos concretos. 

Não é outro seu posicionamento, ao afirmar que:
Que há uma verdade universal que transcende as leis das nações e pode ser demonstrada a uma era secular, empiricamente inclinada, através da compreensão geral da necessidade ancilar da compreensão universal deste termo e de justiça. Precisamos de princípios absolutos, não para o fim errôneo de fazer aplicações absolutas, mas para saber o que estamos modificando quando nos deparamos com circunstâncias atenuantes. (1973, p. 77-78)
Bom, acredito que essas sejam as linhas centrais dessa, que, para mim, é uma das escolas ou dos paradigmas mais interessantes, por inverter um pouco a nossa compreensão sobre um Direito que se elabora normativamente para coagir, pura e simples, o comportamento humano. É fruto de diuturna elaboração social e, como não pode deixar de ser, motiva-se nos fins que permeiam o grupo, saindo-se da ideia de sollen para sein, do dever ser para o ser.





[1] Neste momento da abordagem, o leitor mais atento já poderá realizar suas reflexões acerca do revisionismo histórico outrora apontado na legitimação do sistema penal como instrumento inserto em uma lógica de reprodução de força de produção, no âmbito da percepção materialista que Rusche e Kirchheimer suscitam, complementadas pela percepção weberiana de legitimação de uma lógica protestante de primazia à acumulação e ao capital.


[1] O pragmatismo em tela deriva de uma percepção de pensamento na qual ação e cognição se combinam, no sentido do conhecimento ser um veículo de interpretação da realidade colocada,  como observam Outhwaite e Bottomore (1997, p. 599).   


[2] Deriva daí, pois, a hibridização do direito estadunidense em estruturas normativas próprias, particularizadas de acordo com cada Estado da federação, coexistentes, porém, com a aplicação supletiva de um direito federal (Statute Law).
[3] Outras fontes de referência: Oliver Wendell Holmes, John Dewey e Roscoe Pound, sendo inolvidável, porém, a remissão a nomes como Gray, Cardozo, Hall, Edgar Bodenheimer, Anton-Hermann, Chroust, Pitirim A.Sorokin, N.S. Timasheff, Karl N. Llewellyn, Jerome Frank, Josef Kunz e R.M.Mac Iver. Este rol de autores não está esgotado nas potencialidades do pensamento estadonidense, uma vez que a Escola Sociológica de Chicago posteriormente dará o colorido da interpretação fenomenológica à luz da Sociologia.
[1] Lyra Filho atenta para a complexidade da obra de Pound, equiparando sua concepção à “jurisprudência de interesses” e até mesmo ao teleologismo de Ihering, concebendo sua social engeneering uma roupagem que muito se aproxima do jusnaturalismo (1977, p. 57).
[2] Para Reale, Pound não vislumbra a existência de antinomias entre fato, valor e norma, superando-se, assim, as antíteses na aplicação do Direito, para se vislumbrar uma concepção tripartida do direito, sob a égide sociológica, lógica e filosófica (1999, p. 536).
[3] Oportuno observar, ante ao embasamento até aqui esboçado, o conteúdo hermeticamente superficial acerca do sentido de “interesse social” e “bem estar”, pois, como visto, o equívoco residiria em reduzir toda e qualquer sociedade a um ente relativamente homogêneo, ante à multiplicidade de grupos que a compõem e conflitam em sede de antagonismos de interesse.
[4] Outro pensador que perfilha a vertente de organicidade é Pitirim A.Sorokin, idealizando a distinção entre “mundo orgânico” e “mundo super-orgânico”, o mundo sociocultural, formado pelo conjunto das interações humanas. Aplicando suas idéias ao campo do direito, observou o pensador que as leis constituem sistemas jurídicos normais, ideacionais e idealistas, quando integradas nos tipos sócioculturais sendo, ainda o código como outorgado por Deus. Já na concepção jurídica, o direito seria visto como um meio de exploração de um ser pelo outro, em um verdadeiro sistema utilitário: segurança, propriedade, paz, ordem, felicidade e bem-estar da maioria da sociedade. As regras jurídicas são relativizadas, condicionadas, modificáveis de acordo com a utilidade. O formalismo, neste sentido, fica abolido do sistema, para que essa funcionalidade prevaleça.


quinta-feira, 16 de abril de 2015

A Escola da Exegese e a reação monárquica do Historicismo

Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/e/e7/Code_Civil_1804.png/225px-Code_Civil_1804.png
O século XIX foi fecundo para a produção "científica" no campo do Direito, uma vez que várias concepções sobre sua ontologia (ou seja, essência, natureza) rivalizaram-se em conceitos e definições. Quem saiu ganhando foi a literatura jurídica, uma vez que cada um desse paradigmas nos traz uma contribuição singular para que possamos elaborar uma percepção sobre o que é o Direito.

A Escola da Exegese despontou na França napoleônica, como uma forma de racionalizar, ao extremo, o apego do juiz ao estrito texto da lei. A atividade judicial limitava-se ao estudo da codificação, do qual se extraía um pressuposto de construção de toda a escola: os dogmas do legislador, sua vontade (mens legislatoris), não poderiam ser contestados ou questionados.

Tratava-se de uma nítida mentalidade legalista bem coerente com o ambiente imperativista de uma França marcada, de um lado, pelos traumas de um Antigo Regime que alicerçava no Monarca-Deus o monopólio de dizer o Direito e, de outro, pelo afã pós-revolucionário em se codificar as leis para não se incorrer na continuidade do clima de Terror Branco que ceifou milhares de vidas. 

Ao lado do princípio da legalidade alicerçado como conquista positivista militava o princípio da autoridade, conferindo ao Poder Legislativo (herdeiro da causa popular e revolucionária) o monopólio de produção do Direito (lei), já que, por pressuposto de toda a construção republicana, essa Casa aglutinava o lugar de produção do Direito legitimado pelo povo que ascendeu ao poder. 

Com a finalidade estrita de buscar o sentido que a lei tinha para o legislador, o juiz não poderia se valer de costumes ou jurisprudência, uma vez que essa imersão era considerada invasão de competência em relação ao Poder Legislativo (herdeiro popular no processo republicano). O investimento maior direcionava-se ao uso de rígidas regras de interpretação, balizadas em um procedimento meramente técnico-prático, de natureza descritiva.

Com isso, afastava-se de uma maior reflexividade, abolindo-se, inclusive, nas faculdades, o estudo da Filosofia e ramos do conhecimento que pudessem trazer uma crítica coerente à Escola que, por sua vez, não resiste a uma boa analítica materialista-histórica: manteve o Direito, mais precisamente a dicção dele, como instrumento de uma grupo hegemônico elitizado (exegetas), responsável por "declarar" a "vontade do Direito". 

Utilizando-se de alguns recursos de hermenêutica (como o raciocínio a contrario, a maior, pari simile etc.), o juiz não ousava caminhar além do silogismo FATO-NORMA-SENTENÇA, zona de segurança a supostamente garantir neutralidade à decisão, afastando a arbitrariedade. 

Importante sobrelevar alguns pontos de contribuição dessa Escola, a partir da ideia republicana de representatividade na elaboração das leis, bem como da observância, por parte do juiz, dessa vontade popular plasmada no documento legislativo. Vitória republicana, sem dúvida. 

Porém, esse mesmo aspecto é retratado por alguns partidários do Historicismo (Savigny é um deles) como mítico, sendo oponível como forte crítica à Escola da Exegese. De mais a mais, a simplificação quase mecanicista do procedimento de interpretação do Direito (o silogismo FATO-NORMA-SENTENÇA), atrelado à falta de uma convergência crítica, fizeram com que a Escola perdesse, ao longo do tempo, prestígio, vindo a ser substituída pelo Positivismo ainda em voga. 

Alguns partidários: Aubry Rau e Demolombe.

De outra sorte, o mesmo século XIX trouxe importante rival à Exegese francesa, a partir da publicação dos primeiros trabalhos alemães capitaneados por Friedrich Carl Von Savigny, precursor da Escola Histórica (Historicismo jurídico ou, ainda, Positivismo jurídico). Alemães e franceses sempre travaram os mais ardorosos embates, quer seja no campo da Filosofia, como, em nosso caso, no plano jurídico. Em relação a tais paradigmas jurídicos não poderia ser muito diferente...

Importante entender o contexto alemão à época: ainda feudal, reproduzindo costumes aristocráticos, poder diluído em principados, nada obstante a homogeneidade cultural, marca desse povo. Ambiente mais que propício para uma visão a conceber o Direito como a resultante das manifestações históricas do povo, das quais o costume desponta como fonte principal de produção jurídica. 

Para os historicistas, os costumes representam a vontade do povo, em oposição tanto à concepção juspositivista do Código de Napoleão (ora jusnaturalista, ora positivista), quanto aos preceitos da Escola da Exegese. Aliás, parte da historicidade o maior antagonismo ao paradigma francês, já que os historicistas criticaram - bastante - a representatividade do Legislador como vontade soberana a produzir Direito.

Alexandre Araújo Costa, no livro Hermenêutica, faz a referência crítica ao desacerto dos exegetas em atribuir tamanha importância aos líderes legislativos, desnudando o véu mítico em torno da ideia de vontade do legislador:
Engana-se quem pensa que o direito é fruto da vontade dos parlamentares, pois a perspectiva teórica que reduz a história a uma série de ações de determinadas pessoas ilustres e poderosas perde de vista que é meramente eventual o fato de terem sido esses os indivíduos que ocupavam os postos de comando da sociedade em que viviam.Embora a historiografia tradicional crie a ilusão de que são os líderes que guiamo povo, isso não passa de um mito, pois, embora as decisões de alguns indivíduos certamente contribuam para apressar ou retardar certos acontecimentos, a história humana teria seguido basicamente os mesmos passos ainda que todas as personalidades históricas que conhecemos tivessem morrido enquanto crianças e outros homens houvessem ocupado as funções de liderança nas diversas sociedades (p. 50).
Ou seja, Direito É História... A História do povo alemão, reproduzida de geração em geração, a partir de outro componente vital, segundo Costa, a possibilitar até mesmo a posterior unificação: a língua. Esse componente cultural - povo - foi responsável, na Escola Histórica, pela construção da ideia de volksgeist com a qual Savigny (ícone do movimento) atrela às tradições ao conceito de Direito. 

Importante, contudo, lembrar que, sob a perspectiva de uma Alemanha feudal, ainda não unificada e consolidada em costumes tradicionais monárquicos, a ideia de espírito do povo está longe de ser democrática ou participativa, pois não se trata de meramente olhar os costumes atuais para se elaborar o Direito, e sim se reproduzir um tradicionalismo retrospectivo e se aplicar, no momento da aplicação da melhor regra ao caso concreto, o preceito historicamente situado no passado. 
Fonte: http://media-1.web.britannica.com/eb-media/75/9475-004-2888ED8B.jpg

"Povo" não é, na escola Histórica, "sociedade", muito menos se relaciona a um contingente de indivíduos a elaborar - de maneira participativa e equânime - um Direito de acordo com valores e interesses atuais do grupo. Trata-se, segundo COSTA (p. 62), de um conceito "cultural ideal", o que não deixa de ser um dado construído, e não uma percepção elaborada empiricamente.

Isso traz o caráter extremamente conservador ao Historicismo jurídico: conservador, retrospectivo e antidemocrático, razão pela qual não poderia mesmo se coligar aos ideais liberais da França napoleônica representada pela codificação. 

Tanto polêmico o tema, que despertou um dos maiores debates da época, travado entre Anton Thibaut e Friedrich Carl Von Savigny a respeito da necessidade de elaboração de um compêndio para a Alemanha.

Iluminista, Anton Thibaut tinha enorme preocupação com a unificação alemã - uma vez que esta ainda não ocorrera - diante da fragmentação da nação, nada obstante a língua unificada. Para ele, a fragmentação trazia uma multiplicidade de regras que não poderiam render à Alemanha a unidade desejada. 


No manifesto chamado Sobre a Necessidade de um Direito Civil Geral para a Alemanha, Thibaut apresenta alguns argumentos: a) necessidade de suplantar o foco romanista ainda presente (um direito herdado e transmitido por consueto, ou seja, costume); b) necessidade de purificar o direito alemão de elementos políticos visivelmente presentes na Codificação Napoleônica; c) adequação do direito às necessidades dos súditos; d) superação da instabilidade gerada pelos vários focos de direito, sobretudo em termos de relações jurídicas tratadas diferentemente em pontos distintos da Alemanha (1914, p. 10-14)

Savigny responde a Thibaut tempos depois, na obra Da vocação de nossa época para a legislação e a ciência do direito, partindo da ideia já mencionada consciência do povo, única responsável por mudanças em sociedade (importante voltar nos valores reacionários), tornando inviável uma codificação, já que, para esta acontecer, haveria de existir, em dado momento histórico, confluência entre a ciência e a prática do Direito. 

Esse ponto de provocação, em especial, traz ao debate o relevo que a Escola Histórica representou em termos de compilação das obras herdadas do direito romano que perpassou a História: a Escola dos Pandectas (ou pandectismo), que desenvolveu todo o trabalho de compilação do direito romano, criando a chamada jurisprudência de conceitos, o manancial jurígeno do qual se poderia extrair o rol de tradições e costumes em voga na Alemanha. Esse foi um dos grandes dilemas de Savigny, na medida em que contrapôs - até para contraditar Thibaut - a criação de novas leis em face à compilação do que já era praticado na Alemanha.

Fontes das imagens:  http://www.jura.uni-heidelberg.de/md/jura/fakultaet/fittosize_200_0_7e8f142610005c1d300dd5d2cb45f971_anton_friedrich_thibaut.jpeg











terça-feira, 31 de março de 2015

Afinal, como estudar direito o Direito?? Reflexões sobre o texto Sociedade, Estado e Direito (Antônio Carlos Wolkmer)

Fonte da imagem: http://grabois.org.br/admin/fotos/foto_50_113_381.jpg
Existem várias formas de compreensão do Direito (ou direito, se optarmos por não concebê-lo como ciência): uma, acreditando firmemente que ele se confunde com a regra posta, estatal e positivada, o que nos coloca em uma posição de repúdio ou até ignorância em relação a tudo aquilo que socialmente "brota", mas que não está necessariamente abrangido pela lei (a exemplo dos direitos emergentes, novos protagonistas cívicos etc.). 

Outra, consiste em, desde o primeiro contato , quebrar o tabu para compreender no Direito uma elaboração multifacetada e complexa, arraigada na sociedade e, acima de tudo, fruto de uma elaboração sócio-política. O que não quer dizer "relatividade" (detesto essa colocação: no Direito, "tudo é relativo"). Desculpa esfarrapada para a má formação e ausência de metodologia.

Gosto muito de iniciar as conversas com o/as aluno/as a partir da leitura de um texto muito interessante de Antônio Carlos Wolkmer sobre as relações entre sociedade, Direito e Estado, apresentando aos alunos e às alunas, pela primeira vez, algum conceito de Direito: afinal, os alunos e as alunas estão curioso/as em saber o que é o Direito... 

Ciência? Lei? Justiça?

O que ficou para reflexão após a leitura do mencionado fragmento - tomando por base o capítulo Sociedade, Estado e Direito (2003, p. 62-98): necessidade de adentrar as bases bases político-ideológicas do Direito, situadas no espaço, tempo e na conjuntura a partir dos quais os Estados elaboram seu ordenamento jurídico.

Ou seja, antes de "despejar" conceitos isolados (feitos numa espécie de bricolagem jurídica, típica dos manualecos de cursinhos preparatórios, textos remendados de facebook acéfalo), Wolkmer traça um sólido percurso, apresentando conexões entre os conceitos de Estado, Direito, sociedade civil, sociedade política, legalidade e legitimidade, não sem antes deixar assentado no ser humano o epicentro de um "mundo simbólico, linguístico e hermenêutico" (p. 62) que se projeta nas relações interpessoais e, para além delas, formula - em nível social - tensões e antagonismos.

A bem da verdade, ele busca - com sucesso - correlacionar, sobretudo, tais conceitos, para formular a compreensão de que o Direito é um instrumental repressivo, emanado de uma organização (Estado) composta, sobretudo, por um grupo hegemônico que se estabelece no poder (enquanto sociedade política):
Estado como poder político que objetiva a manutenção e a coesão de uma formação social marcada pela divisão e relação de forças entre classes, impondo-se por meio de um sistema de normas e preceitos (Direito), institucionalmente sancionadas, de teor repressivo e de classe” (WOLKMER, 2003, p. 80). 
Ou seja, seria inerente ao Direito (como um sistema de normas ou preceitos) espelhar interesses de classes (sobretudo as que define como hegemônicas, usando o conceito de Gramsci), dentro de um contexto marcado pelo antagonismo contínuo entre os protagonistas das relações de produção (isso dá um viés marxista ao conceito dele, ultrapassado, contudo, pela perspectiva anarquista sempre presente em Wolkmer).

E como essa "costura" se faz? 

Ou seja, como o Estado concentra essa legitimidade, ao ponto de produzir normas jurídicas revestidas de poder e autoridade? Wolkmer apresenta um percurso, traduzido nas relações entre sociedade civil, sociedade política e poder. 

Partindo da ideia de sociedade civil como o "conjunto de organismos , habitualmente chamados 'internos e privados'" (2003, p. 69) que exerce domínio e influência ideológica em vários campos e setores, bem como da sociedade política como a resultante jurídica do poder estatal coercitivo, Wolkmer percebe uma "identificação peculiar e entrelaçada" (2003, p. 70), inexistindo, assim, domínio de uma em relação à outra. 

Como isso se traduz no Direito? 

Simples: como acervo normativo (no sentido mais amplo de normas) elaborado pela sociedade política (Legislativo, quando elaborado pelas Casas, Judiciário, quando interpretado) que não estaria distante do que ideologicamente é alimentado pelos segmentos da sociedade civil atuantes, de maneira capilarizada, no sentido de reproduzir interesses do grupo

Essa é, por óbvio, uma construção pormenorizada do Direito entrelaçado à Política. Nesse sentido, Wolkmer abraça o entendimento de Gramsci sobre a intrínseca relação entre sociedade civil e política, materializada na atuação do Estado, garantidor da hegemonia do proletariado na "conquista do consenso" (p. 71). O que isso tem a ver com o Direito? Tudo, na medida em que uma das manifestações do Direito seja exata e pontualmente o repositório de preceitos e normas originárias do Estado!!

Assim, o Direito, em Wolkmer, haveria de corresponder ao que é confratado (elaborado) pelo Estado enquanto instituição ocupada por grupos hegemônicos que lá se estabelecem, dentro do jogo de antagonismos no qual se espera a renovação de grupos. Com isso advém a tônica da dinamicidade com a qual o Direito se renova com a renovação político-estrutural: a toda mudança política corresponde uma mudança jurídica

Apresenta, em itens pontuais, teses legitimadoras da supremacia estatal (Estado hegeliano como realidade ética a constituir um fim e a qual o indivíduo se submete), e da supremacia individual (desde os primeiros contratualistas - Locke, Rousseau e Hobbes, apesar de eu discordar e ver neste último um legitimador do Estado, sobretudo, monárquico - até os anarquistas como Godwin, Stirner, Proudhon, Bakunin e Kropotkine - todos perfilhados na ideia de se constituir o indivíduo como o fim último de toda a atividade estatal).

E como se dariam as relações entre Estado e indivíduos? Estado e sociedade? Para tanto, o autor apresenta mais à frente (p. 69-72), os conceitos de sociedade civil e política, a partir do diálogo com Antonio Gramsci. O italiano sustenta em um "bloco histórico"  (conjunto orgânico das relações entre estrutura e superestrutura) dois níveis de relações materiais: a sociedade civil, conceituada como o "conjunto de organismos internos e privados" que mobilizam as atividades ideológicas e culturais (p. 70) e a sociedade política, que representa o grupo hegemônico que exerce politicamente a força e a coerção (por meio, inclusive, do Direito. 

A sociedade civil tende, dentro desta divisão, a se projetar em vários ramos do conhecimento (Artes, Direito, Religião, Economia), irradiando ideologicamente seus valores, tendendo, com isso, a se alojar no político, de modo a elaborar, já como sociedade política, leis e as interpretar. Com isso, para ele, há uma manutenção da classe dominante no monopólio coercitivo, a partir das relações firmadas entre a sociedade civil e a política (p. 71).

A amálgama do poder para essa "costura" - segundo Wolkmer - estaria bem explicado no conceito foucaultiano de poder capilarizado, exercido em uma tessitura por todos os indivíduos, e não unilateralmente pelo Estado. Daí apregoar, inclusive, no texto, a ambivalência do estado como uma organização "política, que visa manutenção e coesão", bem como a "regulamentação da força em uma formação social determinada" (p. 74). 

O poder, assim, deixa de ser olhado sob o plano meramente formal, como apenas tributo estatal, para, em Foucault, ser percebido como um emaranhado de relações, micro relações que trazem a coligação entre classe hegemônica, sociedade civil e sociedade política, em uma circularidade que acaba reproduzindo a ideologia a servir de base para a elaboração jurídica. 

Uma pergunta se faz necessária: como essa tessitura (rede capilarizada de poder que leva o projeto hegemônico de uma classe ascender de civil à política?). Wolkmer justifica explicando os conceitos de legalidade e legitimidade (p. 80-82). Para ele, é necessário haver uma confluência entre legalidade (submissão a uma estrutura normativa (leis, regras) posta, vigente e positiva, conceito próprio do campo jurídico) e legitimidade (adequação entre o conteúdo e o sentido consentido pela comunidade). 

Ou seja, a despeito de a legalidade nos encaminhar formalmente para a elaboração de uma norma formal, universal, elaborada pelo órgão competente, de acordo com o rito específico, torna-se necessário um consenso em torno do respaldo social à norma, que se espera espelhar os valores deliberativamente discutidos em sociedade.

Ou seja, o respaldo baseia-se na credibilidade da norma, a partir da chancela que a sociedade lhe confere, quando por ocasião de debates em torno do tema. A legitimidade supõe consensualidade dos ideias, fundamentos, crenças valores e princípios ideológicos. 

Exemplos? 

Inúmeros. Casamento homoafetivo, que foi precedido de um debate amplo, com a exposição de vários posicionamentos, até repercutir na lei. Descriminalização do uso de cannabis para fins terapêuticos, tema que está sendo diuturnamente debatido, aborto etc. 

Após todas essas relações, Wolkmer se encaminha para a finalização do texto, apresentação o que, para ele, constitui uma crise do paradigma clássico de representação (p. 89-91), acentuando alguns pontos e desmistificando outros. Acentua os problemas enfrentados por um sistema político-jurídico tradicional e clássico, inábil a lidar com novos protagonistas de direitos (justamente porque encara o Direito como um sistema normativo estritamente formal). 

Além disso, apresenta o esgotamento de ideologias que outrora alimentavam as classes hegemônicas em seu embate pelo acesso ao monopólio jurídico-normativo (socialismo versus capitalismo), quase sempre alicerçado no que o autor chama de "fetichização da capacidade popular" (p.92)  (aquela crendice que "brasileiro não sabe votar", "brasileiro é analfabeto político" e outros mantras que desqualificam o povo como protagonista de sua história como participante ativo da sociedade civil. 

Aponta outros: "descumprimento de programas de Governo, corrupção da classe política, declínio de setores sociais, complexidade das demandas e na especialização técnica, influência dos meios de comunicação" (p. 92). Diante dessa realidade, aponta o autor, por fim, a ruptura com o conceito liberal ou burguês de cidadania (que alimentava a elaboração jurídica tradicional e alimentava uma interpretação do Direito também tradicional) para entendê-la, sobretudo, como prática social, "conquista, construção, exercício cotidiano" (p. 98). A ideia de "um conceito de Direito" cede, dentro disso, espaço para a experienciação de um Direito protagonizado pelos membros da sociedade, em um dinamismo que se renova diuturnamente.

domingo, 8 de março de 2015

Ser mulher no séc. XXI: múltiplos olhares

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Data do Evento
12/03/2015, das 10:00 às 11:30
Endereço
Auditório Elza Moreira Lopes (Bloco 3) 

SEPN 707/907 - Asa Norte - CEP 70790-075 - Brasília-DF 
Informações: (61) 3966-1200

Estarei lá participando de uma mesa redonda, desenvolvendo o tema FEMINISMO.

O machismo nosso de cada dia...


No dia 05 de março, quinta-feira, participei de uma entrevista sobre o machismo. Perguntas básicas, a exemplo de se ponderar sobre o machismo como atributo partilhado entre as mulheres, aumento de violência no DF etc.

Achei interessante o momento, para desmistificar algumas quimeras quixotescas. "A mulher é machista", eis a provocação. Não, a mulher - genericamente considerada - não é machista. Isso seria negar até mesmo o trabalho de todas as mulheres engajadas nos movimentos feministas e de mulheres. 

Existem mulheres que reproduzem o modelo machista, mas seria leviano dizer que todas as mulheres do mundo são machistas. Aliás, seria reafirmar o machismo, desqualificando-se a mulher como protagonista de sua história. 

"A Lei Maria da Penha" aumentou a violência doméstica contra a mulher no DF. Não, não foi a lei que aumentou o número de casos de violência doméstica. Aliás, tenho resistência em acreditar que exista número de casos, quando, a bem da verdade, vejo existir um aumento de registros, reduzindo-se a cifra oculta de outrora. 

Ainda fiz alguns comentários sobre o machismo institucional e estrutural, deixando clara a ideia de ser necessária uma mudança sem precedentes na mentalidade da sociedade brasileira. Simples assim. 

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Retomando o fôlego e preparando 2015 para a imersão na toca com a pílula vermelha


2015!

Poderia começar o ano alimentando o blog com um texto básico sobre doutrina, jurisprudência, ou, quem sabe, o desacerto de uma decisão judicial (aliás, absurdos nessa área não faltam como exemplo) que desagrada a comunidade jurídica e a população.

Ainda poderia comentar alguma decisão do Congresso (como a de arquivar o PL criminalizador da homofobia), a falta de recursos para o sistema penitenciário e, quem sabe - angariando muitos fãs e me tornando celebridade bolsonariana - fazendo ardorosas apologias à necessidade de recrudescimento das penas no Brasil, principalmente se eu citar a senhora Sherazade como marco "teórico" de meus argumentos. 

Não podemos esquecer do politicamente correto que se tornou vender a fórmula mágica do abolicionismo, minimalismo, mimetismo, absolutismo e os -ismos importados de cenários tão distintos em termos político-criminais que me trazem constrangimento pela forma com a qual são repetidos roboticamente pelas ditas "mentes brilhantes" da academia brasileira (talvez seja da academia de ginástica, quem sabe).  

Ah, se assim agisse, seria convidada para as mesas redondas laureadas por experts que se ocupam em salvar a humanidade do lugar de fala das confortáveis cadeiras acolchoadas de seus gabinetes espelhados e regados a lanches de final de tarde, retrato esquizoide do descompasso entre o que se respira em sociedade e o que se elabora em termos de gestão [aliás, só uma pausa para rir um pouco do/as laureado/as críticos do "senso comum", que se esquecem que a gestão jurídico e política de uma nação PERPASSA pela LEGITIMIDADE que cidadãos e cidadãs conferem aos representantes. Falar que "o povo não tem conhecimento" é desqualificar a sociedade e, pior, fomentar a crença que o direito - escrito com letra minúscula por não ser ciência - é a salvação na mão de uma elite ilustrada] e o que pulsa comunitariamente como resultado do que é o viver a as interações das pessoas. 

Que lindos mundos anestesiantes e fragmentários são esses, cada qual orbitando, de maneira autista, em torno de suas próprias justificativas epistemológicas (quem nunca escutou um/a criminólogo/a criticando um/a criminalista, um/a delegado/a criticando um/a promotor/a e por aí vai?)!!!!! O conveniente nisso consiste na eternização das críticas, sem que se perfaça um adequado diálogo a aglutinar, e não apartar, funções, demandas e necessidades. 

Por fim, poderia também destinar - como muitas celebridades nacionais - o blog e os textos para o fuzilamento da sociedade milênio de consumo, criticando a apatia reflexiva do corpo discente, afirmando que o/as estudantes não desejam ler, que gastam tempo no facebook, whatsapp, blá, blá, blá. Com isso, um armageddon jurídico armar-se-ia no sentido de condenar o ensino jurídico ao colapso e caos, encaminhando-me para a mais profunda descrença até mesmo no que exerço como profissão, algo que, sinceramente, não se coaduna à minha alma sempre positiva nesse sentido (outra pausa para compartilhar minha deficiência cognitiva em entender as pessoas que reclamam muito de estudantes e sequer têm disposição em mudar de profissão. Sou do tempo no qual o incômodo nos retira do epicentro da pedra no sapato).

Enfim, tudo isso dá prestígio, IBOPE e, em tempos virtuais - nos quais até o senso crítico parece ser uma quixotesca fábula - muitas "curtidas" no facebook, instagram, twitter etc.. Talvez, com isso, pudesse ser convidada a palestrar em um cursinho ou, quem sabe dar aula em uma sala com 350 almas afoitas em lograr aprovação em um concurso "para ganhar mais de R$20.000" (ou seja, esquecendo-se da função vital de doação republicana ao que é de todos, fruto de um estado vocacionado de espírito moralmente comprometido com a sociedade).

Ops, esqueci... Não posso dar aula em cursinho, pois não tenho voz para cantar as musiquinhas com apologias mnemônicas para que os concurseiros possam "decorar" leis. É mesmo, restrito mercado esse, trata de selecionar as celebridades, bastando ser bom de gogó, ter, talvez, um violão ou pandeiro, para que a mediocridade seja compartilhada em larga escala como objeto de enaltecimento por uma plateia que ainda não descobriu a nudez do rei. 

Enfim, poderia fazer muito com meus neurotransmissores, mas, lendo um blog de um ex-aluno, um sopro de revigorante brisa me encaminha a começar 2015 com a certeza de desejar reconduzir esse blog para conversas agradáveis, regadas a reflexões críticas. Sobretudo, ao fel com o qual sempre estou a me conduzir na implosão do que é efêmero em termos de cientificidade e dogmatismo. 

Não vim para agradar a todas a pessoas e, sinceramente, nem desejo. Mas, pensando bem, a raiva é um sentimento interessante, pois pode, ao menos, encaminhar meus desafetos para um estudo mais aprofundado. Terei, com isso, alcançado meu objetivo: abalar a estruturas que se pretendem firmar como inquebrantáveis!

Que venha 2015 com sua pulsão de vida jurídica!