quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

As dores do patriarcado...

Patriarcado? Dores do patriarcado? O que tem isso a ver com um blog dedicado ao direito e também à violência doméstica? Muito mais do que possamos supor, num mundo marcado por violências simbólicas - mas reais - do masculino em relação ao feminino.

Como resgatar o debate é, ao mesmo tempo, desvendar a violência que cerca as relações entre os gêneros, as minhas dores de hoje são dedicadas a um serviço de utilidade pública, para que as mulheres empoderadas saibam desvendar uma situação de risco que nem sempre é facilmente observada, até mesmo diante da inteligência com que os misóginos pós-modernos estão dissimulando sua misoginia...

Sim, sei, "patriarcado" é uma palavra muito questionada em termos de pós-modernidade.

Afinal,o termo remete , em geral a um sentido fixo, uma estrutura fixa que mediatamente aponta para o exercício e presença da dominação masculina (ZANOTA, Lia, disponível em http://vsites.unb.br/ics/dan/Serie284empdf.pdf, acesso em 14 dez. 2010). Mas, num mundo em que se observa a mulher no "mercado de trabalho", bem como em diversos "nichos sociais", como, ainda, sustentar o termo "dominação"?

Ou, ainda, como dialogar com a conceitualização clássica weberiana, que vê no patriarcado : “a situação na qual, dentro de uma associação, na maioria das vezes fundamentalmente econômica e familiar, a dominação é exercida (normalmente) por uma só pessoa, de acordo com determinadas regras hereditárias fixas.” (Weber, 1964, t.1.p.184).

Qualquer que seja a significação, não importa.

O patriarcado agrega um sentido “ahistórico” porque não está limitado a um só momento histórico, isto é, porque pode e deve ser referido a qualquer momento histórico onde se encontre tal sentido de ação típico-ideal. Ao final, expressa um sistema ou uma forma de dominação que, ao ser (re)conhecido já (tudo) explica : a desigualdade de gêneros.

Caminhando com o patriarcado e o sustentando fenomenologicamente encontra-se o androcentrismo, que nada mais é do que a percepção de mundo a partir das experiências masculinas, que passam a ser consideradas como iguais as experiências de todos os humanos e tidas como uma norma universal tanto para homens quanto para mulheres.

Basta lembrar a medicina medieval, que nunca considerou a peculiaridade do corpo feminino e, como se isso não bastasse, ainda promoveu a devassa em face das "curandeiras", suas maiores competidoras naturais... Ou, ainda, os postulados de agressividade e competitividade até a mais última dimensão de ataque ao humano...

O androcentrismo toma como verdade a experiência e valoração masculina, sem dar o reconhecimento completo e igualitário à sabedoria e experiência feminina, bem como atribuindo-lhe o que se entende por desqualificação, que nada mais é do que a atribuição de predicativos que depreciam a mulher, diminuindo sua estima enquanto ser humano.

Mulher desqualificada é reificada, objetivada, ou seja, transformada, à imagem e semelhança, num espelho masculino que, ao menor sinal de discrepância, atrai a misoginia, ou seja, ódio, aversão, ira, raiva, desqualificação do feminino, por meio da subestima e da crença de inferioridade da mulher.

Falei tudo isso para apenas dizer o quanto, sem saber, o masculino se apodera do espaço e avilta a alma mais sensível de uma mulher, desconsiderando-a em sua dimensão mais profunda de potencialidade amorosa, para destruir, com raiva, o que é belo, justo, pleno e legítimo. Quase sempre, as armas usadas estão no plano da manipulação da verdade, da seletividade de informações, da mentira e da famosa "barriga", fazendo entender que a palavra da mulher, sua companheira, está errada, ou que "ela está louca".

Esse é o primeiro retrato da violência doméstica, fincada, entretanto, no seio doméstico e ainda sem tipificação penal. Ou seja, no ambiente mais arraigado - casa, entre paredes - pratica-se a forma mais aviltante de agressão, que é a psicológica, de difícil prova e demonstração. Apenas quem sofreu isso, tendo que lutar, dia após dia, contra as mentiras, os enredos fantasiosos, bem como a manipulação e o controle, sabe o que significam horas de lágrimas a correr pelo rosto.

E o qual patriarcado?

Nem aí, pois, como o mundo até então se processava a partir de seu pênis que decai a cada dia, esse assunto deslegitima e desempodera. Eles não desejam se desempoderar tão facilmente. Por isso que, de tempos em tempos, enviam agentes inteligentes, na esperança de coaptar as mulheres que se empoderam, para, com isso, aniquilar a libertação de todas...

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Utopias são necessárias para alimentar projetos

Um dia desses fui provocada - no sentido acadêmico e deliciosamente fecundo da palavra - em sala de aula a respeito das imersões no estudo de um "direito constitucional pós-moderno" que prestigie pluralidade, diversidade e respeito ao dissenso, pois, segundo a confrontação motivada pelo debate com a turma, seria necessário ingressar num "básico" dentro da matéria para, daí, galgar maiores voos.

Saí pensativa de lá, refletindo, por átimos de segundo, qual seria o papel a ser desempenhado por um educador(a) no direito em face de um "monobloco" de conhecimento que, a cada dia, faz-se mais míope e cadavérico, insensível para as demandas sociais...

Com isso, bastou lembrar a turma que o direito civil que se estuda, quase todo ele, volta-se para a tutela da propriedade, no sentido mais lockeniano e liberal da palavra. Ou, então, para um direito penal que se ocupa da tutela patrimonialista, justificando, por exemplo, o homicídio em face de ataque aos bens jurídicos (ou, o "atira depois pergunta", "bandido bom é bandido morto" e demais clichês usados pelo sensacionalismo midiático).

Por fim, bastou lembrar a todos e todas que pouco(a)s reverterão para a sociedade o conhecimento, já alguns sonham com a "honrada" advocacia para o grande capital, deixando de lado a advocacia de militância de exclusão social ou de demandas do terceiro setor, balizadas nos enunciados de solidariedade e da fraternidade. Para ONGs, OSCIPs, Institutos, por exemplo.

Será que a superfície a-crítica é o bastante? Dialogando com Lyra Filho, entendo que se trata de um sofisma bem montado esse negócio de "aprender o básico para, depois, aprofundar na crítica", pois, dentro das opções de ensino conservador (o direito se enquadra bem aqui ainda: dualista, extirpador, catalogador e lombrosiano), o básico seria o bastante para engessamento da potencialidade crítica do futuro profissional, o bastante para transformá-lo em mais uma peça de reprodução de paradigmas tradicionalistas.

O estilo "professora catedráulica" (citando Lyra Filho) não satisfaz, enfim, a perspectiva de emancipação do direito em torno de novas demandas. É necessário conhecer e criticar, e não supostamente "conhecer PARA criticar", porque o conhecimento é um movimento de descontinuidade na construção e descontrução de modelos, ideias, paradigmas e retóricas. A crítica, segundo Boaventura de Sousa Santos, faz parte do processo de conhecimento, onde este é, ao mesmo tempo, autoconhecimento. Eis o sentido de pós-modernidade no horizonte do direito...

Grosso modo, segundo nosso debate, o mergulho no "bê-a-bá" da dogmática constitucional não traria espaço para o "aprofundamento"em questões, pois a preocupação estaria focada na apreensão (leiam-se "absorção de conceitos") de categorias, alimentando a mesmice da velha indústria dos manuais técnicos de ensino, que são espelho de um direito conservador, patriarcal, patrimonialista e que ainda não traz para o dia-a-dia as maiores polêmicas que estão sendo travadas hoje num mundo globalizado.

Penso, contudo, que o direito (com letra minúscula por não ser ciência, mas teknè)
seja um edifício bem mais complexo do que as parcas lições contidas em manuais, que são feitos a rodos por esse Brasil afora, sempre a pretexto de serem assépticos, a-críticos, a-alguma-coisa-menos-conscientes. Temos, de fato, inúmeros eruditos no campo do direito, sempre munidos com teorias e mais teorias sobre poder constituinte, eficácia plena, contida ou limitada etc.

Existem inúmeros...

Daí, pondero: e o que se esconde em nível simbólico, no campo do invisível, mas se colocando com a matiz ideológica de um direito que se escoimou em hierarquizar direitos em gerações? Mais até, para que serve o escalonamento de direitos em suceder geracional?

Basta observar a primazia que damos ao nosso umbigo, prestigiando - sob a desculpa dos auspícios da Revolução Francesa - direitos de "primeira geração", balizados no EU e na "liberdade", tendo, assim, muita dificuldade em transcender o modelo liberal- que está no aporte econômico e jurídico - para, por exemplo, lidar com questões de toque, como relativização do direito à vida (eutanásia, aborto, células-tronco) que tragam um sentido mais amplo do que a preservação egoica de um enunciado que sempre se prestou a legitimar inquidades sociais.

Seria necessário, pois, subverter, mais uma vez, o ensino, para que a técnica ceda espaço - ou, como paradigma, coexista em espaço - para a reflexão pontual em torno de uma re-significação de toda essa matiz excludente, que alijou do acesso ao direito - e à justiça - os sujeitos e atores que não se encontrassem no modelo dominante...simples.

E não se trata de devaneio. Devaneio é a negligência em relação ao olhar para o Outro, materializada no etnocentrismo de se achar que o valor auto-referencial é o epicentro de todo o mundo.

Quando Protágoras falava que "o homem é a medida de todas as coisas" , não se tratava da alocação no espaço abstrato universalista (isso foi obra dos filósofos, Protágoras, como sabemos, era sofista), mas, antes, a ocupação de um locus concreto, relacional, onde o ser humano, tomado em sua especificidade, pudesse ser a medida para o confronto de ideias, e não a eliminação delas.

Devaneio, portanto, é o que se pode ver no ensino que se descompromete com a militância que está contida na própria etmologia da palavra advogado(a). Ad vocare... Chamar ao lado de alguém. Colocar-se ao lado de quem não possui voz para clamar pelo hipossuficiente ou fragilidade, num compromisso com a humildade, o respeito ao próximo, a busca da fraternidade, da solidariedade, da construção em comum de um futuro melhor.

O que é isso, além de um clichê a povoar, talvez, uma epifania?

O advogado é, por excelência, o profissional que se despoja de seu interesse para salvaguardar o destino daquele que está assistindo. Ofício que, de tão nobre, encontra-se no art. 133 da Constituição Federal.

Trata-se do único munus que é erigido à composição da Magna Carta, como atividade indispensável ao cumprimento dos ditames de Justiça.

Eis o sacerdócio, apontando para a necessidade de desvinculação anímica de um materialismo que expõe, crua e friamente, a vaidade humana perdida num campo nebuloso de valores esgarçados.

Talvez, quem sabe, o sacro + ofício conclame todos aos céus para a prostração devocional, e que, a cada dia, o aprendiz possa fazer romper em si a castidade de propósitos, para que a sabedoria possa escoar até o coração transmutando, por fim, essa máquina individualista em um ser que saiba, ao menos, o significado de compartilhar. Daí a transmutação da individualidade para o predomínio do solidário e supra-individual...

Mantenho meu idealismo em acreditar que a mediocridade da iconoclastia idólatra cederá, enfim, algum dia, em prol da leveza no aprender, nas aulas despojadas do suplício e regadas pela perda do medo de enfrentamento da vida. Eis a advertência de Virginia Woolf, ao afirmar que não se pode ter paz evitando a vida, qualquer que seja ela...

Isso me lembra o tempo como estagiária na Assistência Judiciária no Paranoá, um trabalho voluntário que me mostrou o fel da advocacia “sem glórias” para os que desejam apenas o estrelado: não havia dinheiro e, com isso, tudo que ali era produzido contava apenas com todo o amor que pode guiar uma pessoa na busca pela compaixão em relação ao semelhante.

Foram tantas escovas e pastas dentais trazidas para os “clientes” poderem fazer sua higiene! Quantas vezes dávamos carona ou ajudávamos o pessoal a voltar para casa. Quantos cafés tomei nas residências dos clientes... Ah, grandes lições! Lições de humildade, parcimônia, de subserviência, nas latrinas limpadas no Paranoá! Sim, claro, limpar o vaso era mesmo um serviço prestado na Defensoria, pois era necessário para depurar a alma das mazelas dos egos acadêmicos saltitantes, afoitos e incongruentes!

Recuso-me a ceder, mas entendo que a era de inocência alcançou o crepúsculo, levando consigo o fidedigno retrato de uma ilusão que cede espaço à inquestionável realidade: não se pode condicionar a livre alma docente num arremedo de ensino jurídico que se orienta apenas na pauta neoliberal de escatologia mercadológica.

O preço, para isso, é o agrilhoamento do espírito na caverna platônica da mais pura ignorância, que mata, fere e dilacera, aos poucos, a sensibilidade dos que têm calos. Calos e sentimentos, sangue e veias no lugar de fios e chips. Utópica? Ao contrário, pé no chão demais. Sonha quem acha que os manuais jurídicos dão conta do recado...

Lei 11.314/06 - Lei Maria da Penha - abordagens da prática judiciária à luz da doutrina e jurisprudência

Passei para confirmar o curso, que iniciará a partir do dia 13 de dezembro! Estarei na OAB/DF - final da W3 norte - nos dias 13, 14, 15 e 16, de 19h30m as 22h30m com o módulo "Lei 11.314/06 - Lei Maria da Penha - abordagens da prática judiciária à luz da doutrina e jurisprudência".

O diferencial do curso reside na articulação entre a dogmática jurídica (que envolve os aspectos normativos e legais da lei, tanto em nível de dimensionamento constitucional) e a experiência de campo por ocasião do trabalho de pesquisa para o doutorado, abordando, principalmente, a militância nos Juizados que lidam com violência doméstica.

A partir do diálogo com os colegas em sala, revisarei o material já elaborado para o lançamento do livro no ano que vem.

Gostaria de agradecer bastante a troca de experiências que possibilitou a formatação desse módulo, voltado, principalmente, para a compreensão da lei a partir da diversidade, do pluralismo e da emacipação cidadã.

Aguardo a presença de todos e todas. O valor do curso está super acessível, R$120,00, com descontos diferenciados entre 30% e 50% para advogado(a)s e estudantes.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

MPF/SP aciona TV Band para que se retrate de atitude preconceituosa contra ateus

O Ministério Público Federal em São Paulo (MPF/SP) ajuizou ação civil pública, com pedido de liminar, para que a Rede Bandeirantes de Televisão seja obrigada a exibir, durante o programa Brasil Urgente, um quadro com retratação das declarações ofensivas às pessoas ateias, bem como esclarecimentos à população acerca da diversidade religiosa e da liberdade de consciência e de crença no Brasil, com duração de no mínimo o dobro do tempo usado para exibição das mensagens ofensivas.

É pedido também que a União, através da Secretaria de Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações, seja obrigada a fiscalizar adequadamente o referido programa e, inclusive, a exibição em questão.

No dia 27 de julho, no programa Brasil Urgente, o apresentador José Luiz Datena e o repórter Márcio Campos, durante reportagem sobre um crime bárbaro, fizeram comentários preconceituosos sobre pessoas ateias. Por 50 minutos, o apresentador e o repórter relacionaram os crimes às pessoas que não acreditavam em Deus. “Esse é o garoto que foi fuzilado. Então, Márcio Campos (repórter), é inadmissível, você também que é muito católico, não é possível, isso é ausência de Deus, porque nada justifica um crime como esse, não Márcio?”

Em todo o tempo em que a matéria ficou no ar, o apresentador associava aos ateus a ideia de que só quem não acreditava em Deus poderia ser capaz de cometer tais crimes: “...porque o sujeito que é ateu, na minha modesta opinião, não tem limites, é por isso que a gente vê esses crimes aí.”

Além disso, o apresentador atribuía os males do mundo aos descrentes: “É por isso que o mundo está essa porcaria. Guerra, peste, fome e tudo mais, entendeu? São os caras do mal. Se bem que tem ateu que não é do mal, mas, é ..., o sujeito que não respeita os limites de Deus, é porque não sei, não respeita limite nenhum.”

Pesquisa - Mesmo sabendo que as declarações eram preconceituosas e imputavam crimes a pessoas ateias, a TV Bandeirantes permitiu a veiculação de uma pesquisa interativa sobre a opinião de seus telespectadores acerca do assunto, o que permitiu que o apresentador José Luiz Datena continuasse a ofender as pessoas que não acreditavam em Deus, dando a entender que quem votava na pesquisa declarando-se ateu era bandido.“Muitos bandidos devem estar votando do outro lado", afirmou.

Para o procurador regional dos Direitos do Cidadão Jefferson Aparecido Dias, autor da ação, ao veicular as declarações preconceituosas contra pessoas que não compartilham o mesmo modo de pensar do apresentador, a emissora descumpriu a finalidade educativa e informativa, com respeito aos valores éticos e sociais da pessoa, prestou um desserviço para a comunicação social, uma vez que encoraja a atuação de grupos radicais de perseguição de minorias, podendo, inclusive, aumentar a intolerância e a violência contra os ateus.

“Evidentemente, houve atitudes extremamente preconceituosas, uma vez que as declarações do apresentador e do repórter ofenderam a honra e a imagem das pessoas ateias. O apresentador e o repórter ironizaram, inferiorizaram, imputaram crimes, 'responsabilizaram' os ateus por todas as 'desgraças do mundo'”, afirma o procurador.

O procurador ainda ressalta que todos têm direito a receber informações verídicas, não importando raça, credo ou convicção político-filosófica, tendo em vista que grande parte da sociedade forma suas convicções com base nas informações veiculadas em programas de rádio e televisão.

Ao veicular declarações ofensivas aos cidadãos ateus, em um programa de grande audiência, a TV Bandeirantes deixou de atender aos princípios da legalidade e moralidade. Assim, além de desrespeitar a proteção constitucional à liberdade de consciência e crença ao transmitir as ofensas no programa, não esclareceu aos telespectadores que se tratavam de afirmações absurdas.

Ação Civil Pública nº 0023966-54.2010.4.03.6100, distribuída à 5ª Vara Federal Cível de São Paulo.

Símbolos religiosos - Em outra ação civil pública ajuizada em agosto de 2009, em que é pedida a retirada de símbolos religiosos em repartições públicas federais em SP, nos locais de ampla visibilidade e de atendimento ao público, a Justiça Federal atendeu a um pedido do MPF e convocou para testemunharem em audiência a ser realizada amanhã (7), às 14h, representantes de vários segmentos religiosos e não religiosos.

O objetivo da audiência com representantes de várias religiões é esclarecer o ponto mais controvertido da ação, que é se os símbolos religiosos presentes em várias repartições públicas da União se constituem em um atentado ou não aos direitos fundamentais à liberdade de crença e de religião.

Serão ouvidos, na condição de testemunhas, os seguintes representantes: Daniel Sottomaior Pereira, presidente da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea), o Cardeal Odilio Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo, Samuel Gomes de Lima, Presidente da Associação Brasileira de Liberdade Religiosa e Cidadania (ABRLIRC), Jamil Rachid, Presidente da União de Tendas e Umbanda e Cadomblé do Brasil, Henry Sobel, Rabino Emérito da Congregação Israelita Paulista, Daniel Checcio, Bispo da Comunidade Evangélica do Bixiga e Sheik Taleb Hussein Al-Khazraji, Presidente do Centro Islâmico no Brasil.

Ação nº 2009.61.00.017604-0, que tramita na 3ª Vara Cível da Justiça Federal em São Paulo.

Fonte: MPF

Tráfico de pessoas: o que estamos punindo?

Alice Bianchini
Doutora em Direito Penal pela PUC/SP; Presidente do IPAN.

A doutrina se aproxima da unanimidade quanto ao entendimento de que o bem jurídico protegido nos delitos de tráfico internacional e interno de pessoas é a moral sexual pública (Guilherme de Souza Nucci, Julio Fabbrini Mirabete, Luiz Regis Prado, dentre outros), que "é representada por um conjunto de normas que ditam o comportamento a ser observado pela sociedade, nos domínios da sexualidade" (Iara Ilgenfritz da Silva). Nada mais inadequado do que essa publicização de um bem jurídico que é eminentemente pessoal.

Seria imoral alguém promover ou facilitar a entrada em território nacional de pessoa que venha a exercer a prostituição ou a sua saída para o estrangeiro (tráfico internacional – CP, art. 231)? E a conduta de promover ou facilitar, no território nacional, o deslocamento de pessoa que venha exercer a prostituição (tráfico interno, CP, art. 231-A), padeceria igualmente de imoralidade? O que teria de imoral em tal conduta? Que dano poderia ela causar à moral pública sexual, se, no Brasil, a prostituição não é criminalizada? Ademais disso, que sociedade seria hipócrita a ponto de criminalizar quem vende o corpo e deixar impune quem o compra?

A fim de se responder a tais questionamentos, faz-se importante distinguir a prostituição voluntária daquela que é forçada (cf. Protocolo para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, especialmente Mulheres e Crianças).

Não há dúvida de que a participação involuntária na prostituição constitui tráfico, e que a proliferação das organizações criminosas voltadas para tais atividades exige enérgica e intensa ação do Estado, valendo-se, inclusive, dos instrumentos disponibilizados pelo Direito penal. Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho, quase um milhão de pessoas são traficadas no mundo anualmente com a finalidade de exploração sexual, sendo que 98% são mulheres. O tráfico chega a movimentar 32 bilhões de dólares por ano, constituindo-se como uma das atividades criminosas mais lucrativas (cf. Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas – Secretaria Nacional de Justiça).

Há que se diferenciar, entretanto, tráfico (de um lado) de prostituição (de outro lado) voluntária, não-coercitiva, envolvendo adultos. Tal distinção não se fez presente na legislação brasileira (mesmo após alterações trazidas pela Lei 12.015/09) que, conforme anteriormente mencionado, previu sanções para condutas ligadas ao deslocamento livre de pessoas para a prostituição voluntária, denominando-as igualmente de tráfico de pessoas para fim de exploração sexual.

A prostituição (exercida principalmente por mulheres) é problema social grave, pois suas causas se prendem principalmente a fatores como desigualdade de oportunidades, discriminação, dificuldade de acesso à justiça etc. A preocupação com a prostituição, entretanto, deve servir para suportar ações que sejam dirigidas à erradicação de suas causas. Não se encontra legitimada, para tal fim, a utilização do arsenal punitivo. O ramo repressivo do direito somente deve ser acionado quando se está diante de ataques graves a bens jurídicos relevantes (de acordo com o princípio da intervenção mínima e seus subprincípios: fragmentariedade e subsidiariedade). Sendo a prostituição voluntária (ainda que empurrada por causas sociais), não há bem jurídico-penal violado. Ora, se a pessoa é livre, inclusive para se prostituir, por qual razão aquele que promove ou facilita (ainda que seja para fazer o que – prostituição – é livre para fazer) a sua entrada ou a sua saída do território nacional ou o seu deslocamento dentro das fronteiras do país deve ser criminalizado?

Situação bastante diversa, como já se deixou patente, é aquela que envolve uma ação involuntária (violência, grave ameaça ou fraude), ou quando dirigida a pessoa menor de 18 anos ou que esteja impossibilitada de manifestar a sua vontade. Como tais situações não se encontram previstas no caput dos artigos 231 e 231-A, faltou nesses tipos penais a descrição da ofensa grave a bem jurídico relevante, essencial para que se possa estar diante de uma conduta merecedora de sanção criminal. Veja-se:

(a) a ação de colaborar para que uma pessoa se prostitua em local diverso daquele em que já o fazia em nada afeta a moral pública sexual; ao contrário, sendo a liberdade de locomoção e a liberdade privada (de agir de acordo com sua consciência) direitos fundamentais, qualquer colaboração para com elas não pode ser havida como criminosa;

(b) se a pessoa ainda não se prostitui, o auxílio para que ela se desloque para algum lugar a fim de exercer a prostituição também em nada afeta a moral pública sexual, pois se a ação de se prostituir não é crime, por qual motivo haveria de sê-lo a de prestar colaboração para que alguém se desloque para fim não criminoso? Se por um lado a colaboração, de fato, incrementa o meretrício, por outro negar auxílio nesses casos pode dar a impressão de que o Estado hostiliza (sem que o comportamento seja criminoso) a prostituição, quando o que deve fazer é criar oportunidades legítimas para que as pessoas adultas e que voluntariamente estejam nessa situação possam, se quiserem, dar um outro encaminhamento para sua vida.

Aliás, o já mencionado Protocolo para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, especialmente Mulheres e Crianças (2000), ratificado pelo Brasil, ao conceituar o tráfico de pessoas o faz elencando condutas involuntárias ou, quando voluntárias, exige a presença dos elementos que caracterizam a vulnerabilidade da pessoa prostituída ou obtenção de lucro por parte de seus responsáveis. Veja-se que nossa legislação criminalizou situações (promover ou facilitar o deslocamento de alguém para o exercício da prostituição voluntária) não previstas nem sequer no documento internacional que se ocupa do tema.

Restringir o bem jurídico dos delitos sexuais à liberdade sexual (afastando-se, portanto, a tutela da moralidade sexual) é atitude libertária, porque permite que se deixe de imprimir uma constante vigilância aos comportamentos sexuais, possibilitando que cada qual estabeleça o que lhe pareça próprio, sempre, é claro, que tal escolha não represente uma ofensa à liberdade sexual do outro.



Informações bibliográficas:
BIANCHINI, Alice. Tráfico de pessoas: o que estamos punindo?. Editora Magister - Porto Alegre - RS. Publicado em: 06 dez. 2010. Disponível em: . Acesso em: 06 dez. 2010.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010


Oi, pessoal, ministrarei um curso sobre a Lei Maria da Penha na OAB/DF - 516 norte - nos dias 13, 14, 15 e 16 de dezembro, de 19h30 às 22h30. Os valores estão super acessíveis em termos de investimento e teremos a oportunidade de conversar bastante a respeito do tema!
Aguardo a presença de todos e todas! Trata-se de uma abordagem dentro da dogmática jurídica, dialogando, claro, com a multidisciplinaridade da lei, bem como as inovações jurisprudenciais!