terça-feira, 5 de junho de 2012

Quando o fim de um ciclo marca apenas o começo...



Mais um semestre caminha para a finalização e, com ele, vêm à tona todas as lições profundamente marcadas nos corações e nas mentes de todos e todas nós, materializadas na compreensão de compartilharmos, por breves e paradoxalmente longos quatro meses, ideias que, por toda a brevidade dessa profunda existência, marcarão cada passo de nossas trajetórias...


Quando fecho meus olhos, por átimos de segundos revivo o primeiro dia em que  nos encontramos em sala de aula. 


Silêncio profundo e olhos atentos, todos e todas um pouco assustado(a)s com as primeiras palavras que, hoje confesso, de tão fortes, atravessaram contundentemente todos os átomos alojando-se, quem sabe, na mente e no coração de cada um e uma de vocês para provocar, quem sabe, toda sorte de impacto a se desenrolar na maneira como doravante encararão o mundo...


Sustos? 


Assombros? 


"Essa professora é doida!" - disseram tanto(a)s outro(a)s... - primeira semana, tempo de mudar de turma, se necessário for, ante as diversidades... = )


Depois disso, outro assombro. Cronogramas para lá, datas de provas para cá, regras, regras e mais regras. Primeiro dia de aula, primeiro dia de regras todas elas explicadas com doses homeopáticas dos casos em que já militei durante minha vida profissional.


É, não sou realmente uma pessoa muito simples, muito menos simpática frontalmente, principalmente porque não faço rodeios para dizer o que penso e acredito. Confesso. Peço-lhes até escusas pela altivez, claro, mas sempre lembrando que ela não é sinônimo de prepotência, muito menos de arrogância, pilares comportamentais bem presentes no meio jurídico e muito repelidos por mim, por achar na arrogância a armadura dos tolos que, ao final, nada sabem...


Também não faço muita questão de ser considerada top ten ou professora modelo, pois não desejo agradar todas as pessoas no mundo. Para assim fazê-lo - agradar a todos e todas - eu teria que subverter diuturnamente minha alma e adequá-la ao ir e vir das relações, quedando porosa, ao final, o bastante para me perder em relação a ser quem sou: eu.


Perder-me-ia, também, nesse percurso, enquanto essência e, ao final, feneceria se eu não fosse quem sou...simplesmente eu, com todas as perfeitas imperfeições que se poderia encontrar em um ser humano, mas simplesmente eu...


Todas essas regras de início de semestre, contudo, existiriam INDEPENDENTEMENTE de estarem escritas em um papel, pois sempre foram internalizadas e compartilhadas por cada um(a) de nós em sala de aula. 


Essa foi uma das lições...


Aprender que legalidade - antes de ser escrita em uma estrutura estatal, normativa, cogente, é resultado do consenso político travado entre IGUAIS e, quando firmado na divergência, a partir do diálogo ponderado no consenso, tal qual o baronato assim o fez por ocasião da Magna Carta ao Rei João Sem Terra. 


Legalidade firmada, ainda, no consenso de quem senta a uma mesa - redundantemente redonda - para lembrar que todos e todas somos iguais enquanto cidadãos e cidadãs - não obstante diferenças que residem em nossas peculiares trajetórias de vida. Diferença não é sinônimo de desigualdade, conceitos igualmente confundidos em nossa sociedade, mas que, em nossas aulas, desenvolvemos bem, na medida em que passamos a olhar o próximo, no caso, o próximo que praticou um crime, com a deferência de dignidade, e não mais com o ardor da condenação às galés medievais...


Esse foi o cenário de nosso "amor à primeira vista" para quem observou bem todo o processo...Observar, contudo, não é ver, pois, para se alcançar o substrato de tudo nessa existência, algumas vezes carece à fisiologia aparato de funcionamento. 


Para isso é necessário voltar mente-coração para algo que está além do dizível, talvez imerso em um vale frondoso que somente é acessível quando superamos nossos preconceitos e nos lançamos - às vezes, na sensação de desconhecido - sustentados e sustentadas no pilar de nossa fortaleza interna.


Nem sei bem ao certo quão profundos serão os resultados de nossos encontros, mas sei que, para além deles, muito do que existia de um confortável mundo de estaticidade e de verdades aparentemente consolidadas cedeu espaço para a reflexão em torno do que a cada um e uma de nós cabe em termos de mudança. "Seja a mudança que pretende ver no mundo" - prelecionava Gandhi em incomum apologia à auto reflexão, chamando nossa atenção para a necessidade de nos olharmos mais  projetados no respeito ao próximo. 


Com isso, aprendemos que dignidade é muito mais do que um olhar abstrato de respeito a uma ideia de humano que parte de postulados firmados em um mundo inatingível de igualdade material, mas, antes, a deferência do status de honorabilidade para o próximo em função do reconhecimento de titularidade de direitos, dentre os quais, de se desenvolver em suas potencialidades, necessidades e expectativas. Aprendemos que uma sociedade verdadeiramente democrática é aquela em que se respeitam direitos individuais de maneira irrestrita, não se fazendo "concessões" ou "compensações" a partir do valor (ou desvalor) que se atribui à pessoa em face de status... Mais do que tudo, aprendemos que isonomia também reside na maneira como nos posicionamos perante a vida, olhando para nossos comportamentos e ilicitudes antes de fria e secamente bradarmos pelo impingimento de sanções mais gravosas. 


Aprendemos, enfim, que todos e todas nós estamos aqui na mesma travessia e que uma cátedra não nos torna mais ou menos dignos e dignas de respeito do que qualquer que seja a pessoa. Sou exatamente o(a) outro(a) e reconheço na alteridade a extensão de respeito com que me permito ser...simplesmente ser.


Esse semestre tocou-me a fundo...


Vocês todos e todas alcançaram um núcleo denso presente dentro de mim e, por intermédio das perguntas, da atenção dispensada às aulas, das leituras e da postura, cativaram minha confiança, lealdade e, sobretudo, impulsionaram-me a desejar ser um ser humano melhor do que nunca imaginaria ser. 


Se acham que aprenderam alguma coisa nesses quatro meses, gostaria que soubessem também, sentindo isso no lugar mais profundo do coração,  que me deram muito mais do que eu, algum dia, esperava receber, pois, sem saber, colaboraram para que eu me superasse, cada vez mais em cada ato de meu extenso dia. 


Isso porque, sempre julguei que o primeiro passo para a reelaboração de um mundo melhor residiria na reflexão séria sobre nós mesmos e mesmas, bem como dos reais propósitos que nos movem em nossas demandas durante nossas vidas e nossas interações. 


Em uma de minhas reflexões, cheguei a pensar que, em algum momento de nossa trajetória enquanto mundo ocidental pós-moderno, substituímos o que julgávamos ser primitivo enquanto forma de administração de conflitos - a espada - por uma outra forma de opressão, fincada na sedução do que poderia ser  da palavra, sofisticando aquilo que julgamos ser "primitivo" (noções de honorabilidade, palavra) na perversidade da malemolência dos simulacros que insistimos em chamar de cidadania e de Direito.


A convivência com vocês aprimorou minha reflexão sobre o papel na construção de uma sociedade mais consciente, pois, nesse semestre, consegui, enfim, dizer tudo, ou boa parte de tudo que gostaria de dizer sobre as "coisas da vida"... Sou grata a todos e a todas pela confiança depositada, pelas aulas sempre lotadas e por se lançarem nesse desafio. Muito obrigada por pararem, um pouco, para a reflexão sobre o mundo criminal e sobre o Direito. Muito obrigada por tudo...


Sei que dizer "até logo" é bem complicado, mas preciso deixá-lo(a)s enfim... Estarei sempre por aqui e pelos corredores. Iremos nos encontrar em outras matérias. Mas preciso ficar em Direito Penal 2 pois, assim como crescemos muito, precisarei crescer mais e mais bem como precisarei conversar com quem está entrando por agora! 


Vocês já alcançaram o voo e está na hora de galgarem novos rumos, em horizontes para os quais já estão preparado(a)s!!! Tenho orgulho de dizer que hoje o(a)s as vejo seres humanos que saem - por esforço próprio - melhores do que entraram em minha vida, assim como sinto que me ensinaram a ser melhor como ser humano - ou ser humana??? - hahahaha...

Tenho que ir, mas o(a)s deixo com uma poesia muito linda, de um poeta chamado E.E. Cummings. O nome é "Carrego seu coração" e espero, com ela, convencê-lo(a)s de que distância não existe, mas, se existir, será para preservar o intrínseco sentimento de conexão cósmica existente entre todos os elementos no Universo:



Carrego seu coração comigo,
Carrego-o em meu coração.
Nunca estou sem ele
Onde tu vais estou, querido.
E o que eu fizer estarás também fazendo, meu amor.
Eu não temo destino algum, pois tu és meu destino.
Eu não quero outro mundo, pela beleza que é o teu mundo, a minha verdade...
E tu és...
Seja o que a Lua signifique,
E o que quer que o Sol cante
Sempre és tu.
Aqui está o segredo mais profundo que ninguém sabe
- a raiz da raiz,
E o botão do botão.
E o céu do céu de uma árvore chamada VIDA!
A qual cresce mais alto do que a alma espera ou a mente esconde.
Este é o milagre que mantém as estrelas separadas.
Carrego teu coração,
Carrego-o em meu coração

Espero todo(a)s na próxima aula...beijos!