segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Sobre uma teorização das fontes do Direito e as técnicas de hermenêutica

Sempre que falamos em Direito procuramos saber de onde vem essa realidade normativa plúrima, que engloba uma dimensão epistemológica, normativa, axiológica, factual e intersubjetiva, pois entender o presente supõe saber a gênese do Direito como meio ordenador da sociedade. 

Hans Kelsen em Teoria pura do direito” simplificou o problema das fontes, acreditando que a norma jurídica era a maior referência de criação, já que define direitos objetivos (lembrando que refuta os direitos subjetivos). Já Miguel Reale entende que o processo legislativo, a jurisdição, os usos e costumes e o poder negocial são fontes do direito. Tanto um como outro simplificam demais a questão, a partir do momento em que, por exemplo, deparamo-nos - principalmente no Brasil - com o ativismo judicial, a súmula vinculante e demais temas que repercutem na discussão sobre o predomínio da lei, da jurisprudência e da doutrina. 

Por fontes materiais entendem-se os processos substanciais de elaboração do que é relevante para se criar a norma, que derivam da expressão maior de uma série de demandas, a exemplo das fontes histórica, religiosa, econômica, social, política, moral etc. As fontes formais focam-se na estruturação rigorosamente formatada em um modelo positivado (não necessariamente codificado) e metódico, usualmente relacionadas ao Estado.

Por outro lado, podem as fontes formais ser imediatas ou mediatas, onde as imediatas estão diretamente relacionadas coma expressão do poder republicano de impingir regras para cumprimento. A lei, nesse sentido, constitui fonte formal (emana do Estado) imediata, porque dentro do esquadrinhamento dado pelo Estado ela deriva diretamente do poder do povo e se revela na CF/88.

Já as fontes mediatas são a doutrina, jurisprudência, costumes. A doutrina constitui a resultante do compêndio dos jurisconsultos que se ocupam de estudar os institutos. Já a jurisprudência é o vetor das decisões em sede de tribunais. Importante aqui não confundir a jurisprudência (que é a consolidação do pensamento de uma corte sobre determinado assunto) com o mero acórdão, que é apenas a decisão em um caso concreto (que pode, ou não, virar jurisprudência mais abrangente e universal). 

Os costumes são a reiteração constante (com a consciência vinculante) de uma prática que se estabelece como padrão, a exemplo do que acontece com o cheque pré-datado, que não tem estipulação legal, mas que tem respaldo perante o Judiciário.

Tanto a jurisprudência quanto os costumes podem ser praeter legem, secundum legem ou contra legem. Praeter legem é tudo aquilo se que coloca como primeira forma de interpretação (primeira lei), ou seja, no silêncio ou na inexistência de norma, a jurisprudência interpreta soberanamente. Por exemplo, não existe uma definição legal para o início do dia ou seu fim, para fins de citação de uma pessoa, daí o STF entender no período entre 06h00 e 18h00 a fixação. Outro exemplo: o STJ e o STF definiram os critérios para se visualizar a insignificância no caso concreto, sendo isso uma integração praeter legem

Já a hipótese contra legem ocorre quando na jurisprudência se adota uma orientação nitidamente contrária ao dispositivo legal. Em um julgamento de um HC no STF num caso de estupro em que a vítima tinha 12 anos (mas, segundo o Ministro, era capaz de consentir na relação sexual) houve o afastamento da presunção da violência sexual, mesmo a norma dizendo o contrário.

Todas essas percepções nos encaminham para um problema central dentro do Direito: a hermenêutica, que é a ciência da interpretação da norma para se depreender ante a dado contexto, qual o conteúdo da norma, bem como o alcance de sua emanação. Alguns métodos são aplicados:

método literal, semântico ou gramatical: diz respeito à primeira atividade, que é a leitura do preceito contido na lei para, depois, compreender o significado da norma.

método lógico-sistemático: concebe as normas contextualizadas e harmonizadas dentro do ordenamento jurídico como um todo, correlacionando-as. 

método históricoenfatiza os acontecimentos históricos ocorridos e registrados, A PARTIR de três procedimentos: Heurística, ou pesquisa de fontes (recolhimento de todas as informações disponíveis); crítica (avaliação da validade ou não das versões contraditórias); síntese (definição de dados e informações para o quadro global do que está sendo investigado). Acho problemático no Direito, porque dada nossa superficialidade, tendemos a fazer anacronismo, ou seja, olhar o passado a partir de hoje, sem a contextualização e inserção no ontem. 

método histórico-evolutivo: a partir da elaboração da lei, parte do pressuposto que ela se destaca do legislador e adquire vida própria, "evoluindo" junto com a sociedade.

método teleológico: leva em consideração a finalidade para a qual a lei - e a norma- foi elaborada. 

método dialético: base para uma interpretação dinâmica e totalizante da realidade, POIS os fatos sociais não podem ser entendidos quando considerados isoladamente, abstraídos de suas influências políticas, econômicas, culturais etc. Por outro lado, como a dialética privilegia as mudanças qualitativas, opõe-se naturalmente a qualquer modo de pensar em que a ordem quantitativa se torne norma. Três grandes princípios: a) A unidade dos opostos. Todos os objetos e fenômenos apresentam aspectos contraditórios, que são organicamente unidos e constituem a indissolúvel unidade dos opostos. Os opostos não se apresentam simplesmente lado a lado, mas num estado constante de luta entre si. A luta dos opostos constitui a fonte do desenvolvimento da realidade. b) Quantidade e qualidade. No processo de desenvolvimento, as mudanças quantitativas graduais geram mudanças qualitativas e essa transformação opera-se por saltos. c) Negação da negação. A mudança nega o que é mudado e o resultado, por sua vez, é negado, mas esta segunda negação conduz a um desenvolvimento e não a um retorno ao que era antes.

Quanto ao resultado, a interpretação pode ser declarativa, restritiva ou extensiva. Declarativa quando seu alcance não amplia o que está descrito na lei. Restritiva quando se limita o alcance da norma e extensiva quando se amplia o conteúdo da norma, tendo em vista que ela diz pouco. 

Quanto à fonte, pode ser autêntica, doutrinária ou jurisprudencial. Diz-se autêntica quando o próprio órgão que elaborou a lei faz definições, a exemplo do Código Penal que define nos arts 24 e 25 o estado de necessidade e a legítima defesa. Ou seja, o próprio legislador definiu. Doutrinária é aquela feita pelos jurisconsultos e jurisprudencial decorre da atividade dos tribunais.

Sobre o concurso de pessoas.

O último tópico interessante diz respeito à teoria do concurso de pessoas, importante para o Direito Penal no que diz respeito a se coligarem condutas e se saber a parcela de agregação de cada qual. Temos no concurso de pessoas a ciente e voluntária agregação de duas ou mais pessoas para a prática de uma infração. Trata-se de uma consciência psíquica e física, ou seja, quer seja por desiderato mental, ou, ainda, materialização de comportamento.

O concurso pode ser tanto eventual, ou seja, o conluio pode ser perpetrado ante o interesse em coligar ações, ainda que o crime possa ser praticado apenas por uma pessoa ou, ainda, no caso da rixa, o chamado concurso necessário, pois se torna indispensável a aglutinação de pessoas.

São requisitos: 

  • Pluralidade de condutas
  • Pluralidade de agentes
  • Relevância causal de cada uma das ações
  • Liame subjetivo entre os agentes
  • Identidade do fato 
Segundo a teoria monista o crime é único e indivisível, não se fazendo distinção entre autor, partícipe, instigador e cúmplice. Teoria do Código.

Já a dualista parte da dupla imputação (ação principal e acessória). Há dois crimes: um para os autores (atividade principal), bem como para aqueles que realizam uma atividade secundária.

Para a pluralista: concurso de várias ações distintas. Cada um responde com uma conduta própria. Existem tantos crimes quantos forem os participantes.

As espécies de sujeitos na teoria do concurso de pessoas:

Autoria:
  • Restritivo: prática do verbo-núcleo. Complementado pela teoria objetiva da participação, autor seria aquele responsável pelo comportamento do verbo, e partícipe, aquele que produz qualquer contribuição causal ao fato. Teoria objetivo-material: maior importância à contribuição do autor.
  • Extensivo: autor é todo aquele que contribui com alguma coisa para o resultado. Instigador e cúmplice respondem igual. Complementação pela teoria subjetiva da participação: autor é quem realiza uma contribuição causal ao fato.
  • Teoria do domínio do fato: ou teoria objetivo-subjetiva. Autor seria quem tem o poder de decisão sobre a realização do fato.

Autoria: executor, realizando diretamente a conduta descrita, agido sozinho.

  • Autoria intelectual: agente planeja a ação delituosa. Chefe de quadrilha.
  • Autoria mediata: agente se serve de outrem para praticar o delito. Casos de coação.
  • Coautoria: prática comunitária de crimes, com a divisão das tarefas. Direta, quando todos realizam a conduta típica. Parcial ou funcional, quando há divisão de tarefas.

Participação: comportamento não adequado ao tipo diretamente, não tendo poder de decisão. Participação dolosamente diversa: parágrafo 2º. De acordo com o elemento subjetivo.


Quadro demonstrativo de classificação de crimes




Crimes materiais, formais e de mera conduta
Material: produção de resultado (art. 121)
Formal: menciona um resultado, mas não o exige para a consumação do delito (art. 158)
De mera conduta: descrevem apenas a conduta, sem ser necessário o resultado (art. 150)
Crimes simples, privilegiados e qualificados
Simples: tipo básico (art. 121, caput)
Privilegiado: menor reprovação (art. 121, §1º)
Qualificado: maior reprovação (art. 121, §2º)
Crimes comuns, especiais, próprio e de mão própria
Comuns: justiça comum
Especiais: lei especial (militares, eleitorais, responsabilidade)
Próprios: pessoa com qualidade peculiar (ex: funcionário público)
Mão própria: somente pelo sujeito (art. 342)
Crimes políticos e de responsabilidade
Políticos: segurança interna do país, motivação política
Responsabilidade: alta cúpula do poder (CF)

Crimes de dano, de perigo e de opinião
Dano: produção do resultado
Perigo: mera exposição do bem jurídico
Opinião: abuso da liberdade de expressão
Crimes instantâneos, permanentes e instantâneos de efeitos permanentes
Instantâneos: único momento de consumação
Permanentes: prolongamento no tempo e no espaço (art. 148)
Instantâneo de efeito permanente: exauriu-se, mas verifica-se sua conseqüência
Crimes complexos
Tipo formado por mais outros contidos (art. 159)
Crimes hediondos
Previstos na lei 8.072/90 com referência ao cumprimento da pena
Crimes organizados
Contidos na descrição da lei 9.034/95
Crimes de menor e de Médio potencial ofensivo
Lei 9.099/95 (pena máxima até um ano)
Pena mínima até uma ano




O terceiro elemento constitutivo do crime: a culpabilidade

Compondo a tríade de elementos constitutivos da definição de crime temos a culpabilidade em sentido estrito, que nada mais é do que o juízo de reprovação ou censurabilidade em relação à conduta praticada.

Na culpabilidade temos a visualização de um duplo sentido: evitabilidade, previsibilidade e voluntariedade, pois como juízo de censurabilidade e reprovação, limita o alcance da pena, na medida em que esta se dá pela visualização sobre o tanto que a coletividade vê como reprovável a conduta. 

O juízo de censura que está na cabeça do juiz na dosimetria da pena, mas sempre dependente da conduta do agente que é pelo magistrado avaliada segundo elementos constitutivos.

Algumas teorias explicam a culpabilidade 

  • Teoria Psicológica da culpabilidade: ligação psíquica entre o agente e o fato (espécies: dolo e culpa). A conduta passa a ser vista como sendo desprovida de qualquer valor normativo, e sim psíquico.  
  • Teoria normativa ou Psicológico-normativa: reprovabilidade da conduta do agente pelo fato, doloso ou culposo, por ele realizado. Somente haveria culpabilidade se o agente fosse imputável, dele se exigindo conduta diversa. Traz o dolo e a culpa para a culpabilidade, e não para a conduta. 
  • Teoria Normativa Pura: consciência atual da ilicitude. Exclusão do dolo e da culpa do juízo de reprovabilidade. Puro juízo de valor que recai sobre o autor do injusto.
Assim como a conduta (substrato físico/fenomênico), a tipicidade e a ilicitude, a culpabilidade possui elementos constitutivos também, a saber:

Elementos da culpabilidade:

imputabilidade: capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. Rol de condições psicológicas, físicas, morais e mentais de saber que está realizando ilícito. Menoridade, doença, embriaguez. 

potencial consciência da ilicitude: possibilidade de se conhecer que o fato é contrário do direito, ilícito, proibido. Observa-se o sujeito, nas suas condições pessoais (discernimento, inteligência). Exige-se que tenha sido possível ao sujeito, nas circunstâncias em que agiu, atingir o conhecimento da ilicitude.

exigibilidade de conduta diversa: não era possível realizar comportamento distinto.  Caso do agente do banco constrangido a fornecer senha, enquanto a mulher e os filhos estavam sob a mira do revólver. Possibilidade de agir de outro modo.

Alguns casos se esquadrinham. Por exemplo, não exclui a imputabilidade a embriaguez voluntária ou culposa, como também a preordenada, na qual o sujeito se embebeda para fim de cometimento do delito (nesta, inclusive, agravante).

A chamada actio libera in causa: art. 28, II – não exclui (responsabilidade penal objetiva), bem como a emoção e a paixão também não excluem. O art. 28, I. fala  em emoção, que é o sentimento repentino e abrupto (ira momentânea). Já a paixão é o sentimento duradouro que vai se arraigando na alma (ódio recalcado, ciúme deformado, inveja em estado crônico).

As causas legais de exclusão de culpabilidade: 
  • Erro de proibição: falsa percepção da realidade, recaindo sobre a proibição da conduta. O cidadão imagina que seu comportamento seja lícito, quando não é. Matara esposa com o amante. Erro de proibição inevitável: qualquer pessoa prudente incorreria nele. Verifica-se a circunstância em que se encontrava o agente. Art. 21. Passeio com os filhos de pessoa que transmitiu a guarda fática (art. 249 do CPB). Art. 242.q  Erro de proibição evitável:  decorrente de displicência, pois o agente poderia, pelo esforço, ter consciência. Art. 21. Defesa da honra.
  • Descriminantes putativas: excludentes de ilicitudes irreais, que existem na cabeça do sujeito, em virtude de erro. Art. 20, §1º. Suposição de legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento de dever legal e exercício regular de direito.
  • Coação moral irresistível: art. 22. Violência moral (vis compulsiva). Emprego de ameaças contra alguém. O agente não tem alternativa.
  • Obediência hierárquica: art. 22. Comando de pessoa que exerce determinado cargo, subordinando a vontade do subalterno á sua própria. Ordem não manifestamente ilegal, pois se for, o agente poderia deixar de fazê-lo. Mandado verbal do Promotor público para comparecimento da testemunha.
Já as causas supralegais de exclusão de culpabilidade são o excesso de legítima defesa exculpante, que ultrapassa os limites da legítima defesa, bem como a inexigibilidade de conduta diversa: quando o agente poderia ter agido de outro modo.

Abaixo sintetizei um quadro sobre a inimputabilidade, para ficar mais didático para estudos. 

QUADRO ILUSTRATIVO DA EMBRIAGUEZ

Não acidental

Voluntária
Completa: não exclui a imputabilidade
Incompleta: não exclui a imputabilidade
Culposa
Completa: não exclui a imputabilidade
Incompleta: não exclui a imputabilidade
Acidental
Caso fortuito (desconhecimento da substância) e força maior (força externa, que obriga o agente)
Incompleta: diminui a pena de 1/3 a 2/3
Completa: exclui a imputabilidade
Patológica: dependentes e alcóolicos
Equipara-se à doença mental e exclui a imputabilidade quando retirar totalmente a capacidade de entender e querer
Preordenada: o agente embriaga-se com a finalidade de delinquir (estimulantes do crime, ou fuga da sanção penal)
Não exclui a imputabilidade e agrava a pena





O segundo elemento constitutivo do crime: a ilicitude, suas irradiações

Depois da teorização do tipo penal e da tipicidade, podemos passar para o segundo elemento constitutivo do crime, qual seja, a ilicitude ou antijuridicidade, que nada mais é do que a contradição entre a realização do tipo de uma norma proibida e o ordenamento jurídico como um todo, ou seja, o fato que contraria o ordenamento jurídico 

Na doutrina há quem entenda - na seara de Telle, por exemplo - pela divisão em ilicitude formal, consistente na violação da mera norma em si, no comando abstrato da descrição e ilicitude material, que leva em consideração a lesão ao bem jurídico protegido pela norma respectiva. 

A ilicitude tem como função principal a gradação do injusto e influência na dosimetria da pena, como também admitiria causas supralegais de justificação da conduta.  Para uma concepção unitária ela é uma relação de antagonismo que se estabelece entre uma conduta humana voluntária e o ordenamento jurídico, de modo a causar lesão ou expor a perigo de lesão um bem jurídico tutelado (ASSIS FRANCISCO TOLEDO).  

O que são excludentes de ilicitude? São "autorizações"que tornam as ações respaldadas pelo ordenamento jurídico. Assim, nada obstante serem típicas, são lícitas, a exemplo da legítima defesa. A doutrina dá vários nomes: causas de exclusão de ilicitude / exclusão da ilicitude  / causas de justificação / justificativas / excludentes / eximentes / descriminantes / excludentes de ilicitude.

Temos causas legais (art. 23) e supralegais de exclusão de ilicitude. As legais, como o nome diz, encontram-se definidas na lei, tanto no art. 23 como em algumas disposições da parte especial (art. 128), enquanto as supralegais não estão na lei, a exemplo do consentimento do ofendido, sempre que o bem jurídico for disponível (ver o art. 163 e o art. 148).

O estado de necessidade é reconhecido em todas as épocas do desenvolvimento do homem, por meio da existência de uma reconhecida situação de perigo atual, involuntário, no qual o agente sacrifica parcial ou integralmente um bem, próprio ou de terceiro, em prol da manutenção do outro bem remanescente, cuja existência não poderia ser sacrificada. 

Gosto de enumera requisitos para facilitar a subsunção: 

Perigo atual: concreto, real, acontecendo no momento, às portas da lesão, e não o perigo que já passou, nem o prestes a acontecer. 

Involuntariedade do perigo: dolo do agente. Exemplo da explosão do navio por Tércio, que mata Gomes para ficar com a última bóia.

Inevitabilidade do sacrifício do bem jurídico: sempre que existir outra opção mais branda, afasta-se a figura da excludente, pois o agente poderia ter optado por esta via. Arrastão.

Direito próprio ou de terceiro: bens jurídicos que se encontram em questão (vida, patrimônio, saúde, família, liberdade), relacionados à pessoa, ou ao terceiro. 

Inexigibilidade de sacrifício: proporcionalidade entre os bens jurídicos. Ou seja, ponderamos se é possível ofender ou destruir um para manutenção do outro.

Ausência do dever de arrostar o perigo: policiais, bombeiros, enfermeiras, etc. (art. 24, §1º)

Elemento subjetivo: ciência da justificante. A maioria da doutrina fala em ciência, em virtude do princípio ético que inspira esta excludente. No estado de necessidade putativo ocorre a virtualidade da existência do estado, que afasta (segundo o art. 20 ou 21).

A legítima defesa constitui repulsa a uma agressão injusta, atual ou iminente, a qualquer direito, próprio ou alheio, por intermédio do usos moderado dos meios tidos como necessários para cessar a ação. Tal qual o estado de necessidade possui elementos: 

Agressão injusta: comportamento tendente a uma lesão ao bem jurídico (ex: desferir um tiro ante ao perigo de outro).

Agressão atual ou iminente: estar acontecendo, ou prestes a acontecer, ao contrário do estado de necessidade. Com isso, por exemplo, a agressão passada torna o ato vingativo, longe da incidência da justificante.

Direito próprio ou de terceiro: titular do direito é a própria pessoa que está agindo, ou outra. 

Uso dos meios necessários: quando não outra opção a ser usada para cessar a agressão. Uso de critério de razoabilidade.

Uso moderado: ponderação, sem exageros, ou excesso.

Consciência da justificante: noção de se encontrar em estado de legítima defesa. Delmanto faz referência a não obrigatoriedade de existência da ciência, em virtude do princípio da legalidade. Alguns casos são relatados na doutrina, a exemplo da embriaguez do defendente. Duas correntes doutrinárias; uma, considerando que o ébrio, sob o pálio do álcool, teria comprometida sua consciência, de tal forma que, excluída a própria ideia de consciência da excludente, faltar-lhe-ia a justificante. Já a embriaguez do agressor não impede que o cidadão, por conta da embriaguez, provoque injusta agressão.

Algumas diferenças entre legítima defesa e estado de necessidade: existe o caráter valorativo de colisão entre bens jurídicos no estado de necessidade, ao passo que, na legítima defesa, tem-se um ataque injusto de um ser humano. Já entre a legítima defesa e erro na execução o erro na execução não altera o desiderato na legítima defesa, incidindo a regra do art. 73 e do art. 74 do CPB. E entre a legítima defesa e ofendículos: obstáculos ou engenhos (cacos de vidro, cercas eletrificadas, cães de guarda, etc.) utilizados para a defesa de propriedade, dividindo-se a doutrina entre serem os mesmos exercício regular de direito ou, ainda, legítima defesa. Instalação (exercício regular de direito). 

O estrito cumprimento do dever legal constitui comportamento autorizado nos limites da lei, como justificativa para os agentes (prisão em flagrante, danificação do patrimônio perpetrada pelo oficial de justiça). Importante a ciência da justificante.

O exercício regular de direito, ao contrário do exercício anterior, é uma prerrogativa, uma faculdade colocada à disposição do agente, como, p. e., acontece no caso de prisão perpetrada pelo particular, ou, ainda, a defesa da posse tratada no art. 502 do CC.

O consentimento do ofendido é uma causa supralegal, ora tratada como excludente de ilicitude, ora como de tipicidade (se, no interior do tipo contém um elemento que, extraído, retira a tipicidade, ex vi o art. 150, quando se faz referência ao consentimento).

Importante ressaltar que o excesso nas excludentes faz com que o agente responda nos termos do art. 23 do CPB. No excesso doloso existe a medida de seu desiderato na contenção ou realização da causa justificante. No excesso culposo, se previsto em lei, responderá pelo mesmo o agente, enquanto no excesso acidental não se fala em culpa sequer.




Algumas situações de atipicidade da conduta e erros

Quando falamos em teoria do crime analisamos pontualmente cada um de seus elementos, pois se ausente um deles não se perfará o crime. Assim, já vimos, por exemplo, no sonambulismo, no ato reflexo e na coação física inexistência de conduta, de modo que o substrato fático inexiste.

Quando vimos tipo e tipicidade percebemos como existe o encaixe ou a subsunção. Já que tipicidade é a relação de amoldamento, conexão ou encaixe da conduta ao tipo penal, toda a vez em que inexistir tal amoldamento teremos uma ATIPICIDADE.

Algumas hipóteses trazidas pela doutrina e jurisprudência: 

adequação social: prática autorizada e reconhecida universalmente por membros de uma dada coletividade, de modo a retira o sentido do amoldamento daquela figura. Welzel: impossibilidade de interpretar de acordo com as situações aparentes, nas quais existe a adequação social. Furar orelhas / cirurgia plástica / luta esportiva / guerra. 

insignificância: irrelevância da conduta para o Direito Penal, que somente intervirá em ultima ratio. Princípio da bagatela, pois o bem sequer chegou a ser considerado importante para merecer toda a proteção penal, podendo, contudo, sofrer intervenções de outros ramos. 

erro de tipo: considera-se erro como sendo uma falsa perspectiva da realidade, tendo em vista as limitações do ser humano ante à falibilidade de seus sentidos. Importante: CONSCIÊNCIA + VONTADE = DOLO. Evitável: erro cometido pelo agente, mas que poderia muito bem ser evitado, se o mesmo empreendesse à cautela e diligência necessárias para que possa ter uma melhor apreciação da realidade, de modo a não se enganar e ocasionar a lesão. O erro de tipo incide sobre o tipo, o molde, a caracterização da conduta, como acontece com a morte de um homem, pensando-se ser uma caça (matar alguém).O ERRO DE TIPO EVITÁVEL EXCLUI O DOLO, MAS A CULPA SUBSISTE, SE HOUVER A PREVISÃO LEGAL (furto do livro). Inevitável: falsa percepção da realidade que não pode ser evitada, ainda que o agente tome todas as cautelas possíveis. Ausência de previsibilidade. O ERRO DE TIPO EXCLUI O DOLO E A CULPA. 

erro sobre a pessoa: desvio de perspectiva em relação à pessoa que se pretendia atingir, de modo a responder o agente, na medida do art. 20, §3º. Não afeta o dolo, pois o agente intentou contra o bem jurídico da vítima, somente errando e se confundindo.Execução e resultado diverso do pretendido: aberratio ictus = desvio na hora de executar (erra-se o alvo) / aberratio criminis (acerta-se o alvo distinto).


Tipo penal: as figuras dos erros a partir do art. 20 do CPB

Gostaria de falar sobe os erros a partir de casos concretos, pois o exemplo torna a explicação teórica mais contextualizada, clara e precisa, vamos lá?

PRIMEIRO CASOA .R.T., desejando matar seu próprio pai, atira, erra e mata um vizinho que estava passando pela rua no momento da ação. Nesse contexto, responderá haverá erro na execução, vindo A.R.T. a responder pela agravante prevista no art. 61, II, "e", como se tivesse matado o pai, haja vista se considerar a situação da vítima potencial

SEGUNDO CASOT.R.Y., desejando danificar patrimônio de T.U.P., atira, atinge e mata E.F.T.. Nesse contexto, responderá o autor por crime de dano em sede de dolo, bem como por homicídio culposo, em face da aberratio criminis.

TERCEIRO CASOT.R.Y., desejando matar T.U.P., atira, atinge e acerta um vaso Ming de F.G.H.. Tendo em vista a inexistência de dano culposo, o autor só pode ser responsabilizado por tentativa de homicídio.

Vou comentar em "pacote". 

Muitas observações legais sobre esse primeiro caso, que se refere aos institutos da aberractio ictus, prevista no art. 73 do CPB e do resultado diverso do pretendido, previsto no art. 74. 

O que acho muito pertinente diferenciar aqui é que essas figuras de erros dizem respeito à execução da intentada, por acidente ou erro. 

O art. 20 do CPB trata do erro de tipo que diz respeito aos elementos do tipo pena. Se estou apontando para uma pessoa porque na minha cabeça ela é um urso (estou em uma floresta, por exemplo, caçando), houve um desvio em relação à representação do elemento "alguém" no "matar alguém". Isso porque na minha cabeça não se trata de uma pessoa, mas de um urso. Daí dentro do finalismo  não haveria sentido a punição objetiva quando, a bem da verdade, eu não estava perseguindo matar um ser humano. 


Como o Código trata o erro de tipo? O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei - ou seja, o caçador não será punido por homicídio doloso, mas sim por culposo, já que poderia ter se acautelado melhor em relação a diligenciar o urso.

Já o erro sobre a pessoa acontece QUANDO EU, CONFUNDINDO UMA PESSOA COM OUTRA, ACERTO A PRIMEIRA, JULGANDO EQUIVOCADAMENTE SE TRATAR DE OUTRA. NESSE CASO, EXISTE UM EQUÍVOCO EM MINHA MENTE, QUE SE ENGANA E FAZ COM QUE MINHA CONDUTA SEJA EQUIVOCADA, NÃO PORQUE FUI IMPRECISA NO TIRO, MAS PORQUE, NA MINHA CABEÇA, ACHEI QUE UMA PESSOA ERA OUTRA

Qual a solução o CPB dá? Simples, o dolo está intacto, pois houve uma representação na minha cabeça sobre meu querer em relação a quem eu iria matar (vítima potencial). Daí


Pois bem, não é o caso aqui. 

Isso porque, aqui TEMOS UMA CIRCUNSTÂNCIA DE ERRO NA HORA EM QUE EXECUTO A AÇÃO. Isso acontece, por exemplo, quando alguém "bate" em meu braço, modificando a trajetória da bala. Meu DOLO, AQUI, ESTÁ INTACTO, DIRECIONOU-SE À PESSOA, MAS A EXECUÇÃO DELA SE DISTANCIOU

Daí a regra do CPB: já que meu dolo estava destinado à outra pessoa, vindo a acertar outra, por erro na materialização do crime, eu TRANSPONHO PARA A VÍTIMA EFETIVA O RACIOCÍNIO, COMO SE, AO FINAL, EU TIVESSE ACERTADO A VÍTIMA VIRTUAL. Por que? UAI, PORQUE NOSSO DIREITO PENAL É FINALISTA E, PORTANTO, PRECISO PUNIR PELO QUE PRETENDI, E NÃO PELO QUE MERAMENTE PRODUZI, DISSOCIANDO DA FINALIDADE

O art. 73 fala isso: "Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º do Art. 20 deste Código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do Art. 70 deste Código". 

Assim, segundo vaticínio doutrinário, na aberratio ictus por erro de execução o que existe é e na execução. Assim, o sujeito representa bem a situação, veja com clareza a pessoa pretendida, não se equivoca sobre a pessoa que se deseja alcançar, mas erra nos meios de execução. 

No caso, tratamos a vítima como se fosse o pai, fazendo incidir a agravante prevista. Mas... e se ele volta e "mata o pai", teremos dois homicídios dolosos? Não seria bis in idem

Básico...trocamos as posições das vítimas e punimos em sede de concurso formal, de acordo com a regra do artigo em questão. Já os demais casos tratam de outro instituto, o resultado diverso do pretendido, que se diferencia do erro na execução (aberractio ictus) porque estão em jogo BENS JURÍDICOS DISTINTOS...

No caso em tela temos o desejo de acertar o vaso Ming (patrimônio) e a vida de alguém. O que fala a lei? O art. 74 diz que "fora dos casos do artigo anterior, quando, por acidente ou erro na execução do crime, sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde por culpa, se o fato é previsto como crime culposo; se ocorre também o resultado pretendido, aplica-se a regra do Art. 70 deste Código". 

Ou seja, pelo que eu "dei causa" (dar causa, senhores e senhoras concurseir@s, não é provocar dolosamente), no caso, o homicídio, eu respondo por CULPA, já que, de fato, MEU DOLO ESTAVA DIRECIONADO À DESTRUIÇÃO DO VASO

Bom, a questão faz presumir que o vaso foi destruído, de modo que existirá aí um concurso formal, de acordo com a regra do art. 70. O caso a seguir traz um peguinha, pois inverti a questão, já que a morte ERA DESEJADA E A DESTRUIÇÃO DO VASO MING NÃO

Mesma regra, ou seja, já que não quis destruir o vaso, eu haveria de ser responsabilidade CULPOSAMENTE PELO CRIME DE DANO. SÓ TEM UM PROBLEMA...ART. 163 NÃO PREVÊ DANO CULPOSO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! E DAÍ??????????? UAI, SIMPLES, DOA A QUEM DOER, NÃO HAVERÁ PUNIÇÃO POR DANO CULPOSO! LEGAL, NÉ? 

Fácil, né? Depois da explicação também!

Tipo e tipicidade: as relações de subsunção e os elementos constitutivos

Tipo penal, esse ilustre paradoxo descritivo/prescritivo, traz um conceito de relevo para a teoria do crime: a tipicidade, que nada mais é do que a adequação da conduta ao molde (tipo). Tal relação - bem como o próprio tipo penal - deriva do princípio da legalidade, definidor de modelos que se irradia para vários âmbitos do direito.

Para se estudar a relação de encaixe ou subsunção típica (outros nomes para a tipicidade) as doutrinas partem de um consenso de igualmente dividir o tipo penal em componentes ou elementos, os chamados elementos constitutivos do tipo: elementos objetivos, subjetivos e normativos

Os elementos objetivos (ou tipos objetivos) são simplesmente as palavras componentes do tipo, a exemplo do famoso homicídio, que traz os elementos objetivos "matar" e "alguém". A relação de subsunção - tipicidade - precisa considerar o estrito encaixe entre as partículas em questão no tipo e o fato concreto. Assim, precisamos saber o que é matar, qual o momento em que se considera a morte etc., bem como necessitamos saber o que é "alguém", ou seja, quando se considera a morte de uma pessoa. 

Já os elementos normativos são as partículas descritivas que encerram um juízo relativizável de valor quanto ao significado, a exemplo do "motivo torpe", cujo enunciado trouxe discussões quanto ao alcance (os ciúmes, por exemplo, que já foram considerados pela doutrina e jurisprudência como motivo torpe e que, dependendo da situação em concreto, não são, sendo tidos como reação humana natural). 

Os elementos subjetivos são o conteúdo de vontade do agente no momento da ação, ou seja, o colorido da conduta, o preenchimento do querer direcionado à ação. Estão dispostos no art. 18 do CPB nas modalidades de dolo e culpa. Particularmente acrescento a essa lista o preterdolo e fazendo uma brecha para falar, depois, do crime agravado pelo resultado, pois estão nesse contexto de dimensionamento de vontade. 

O dolo constitui consciência e vontade de realização do tipo objetivo de um delito, não se tratando pura e simplesmente de vontade, mas de consciência em relação ao comportamento. Também não se confunde o dolo com a motivação da ação (raiva, ciúme etc.) porque dolo diz respeito ao comportamento descrito na norma penal (tipo). A motivação, quando muito, pode qualificar um crime (no caso do homicídio) como contribuir para a dosimetria da pena. 

O CPB segue a teoria da vontade (intenção de praticar o fato) e do assentimento (previsão e consciência do resultado) e se divide em direto, quando o agente almeja resultado determinado e que lhe é certo, a exemplo de disparar uma arma para matar. Ou indireto, quando existem opções, a exemplo do agente que atira OU para matar OU para ferir (dolo indireto alternativo, pois existe o OU que dá opções de satisfação ao agente), bem como do eventual no qual o agente é indiferente ao resultado, tolerando-o como resultado de sua ação.

Já a culpa - chamo sempre a culpa de "a grande ficção do finalismo" - está relacionada a uma construção sobre a atribuição de responsabilidade, pois, grosso modo, do nada nada surge. Liga-se a resultados não desejados pelo agente que, contudo, em seu comportamento cotidiano, "dá causa" a resultados que lesionam bens jurídicos. Trata-se de uma estrutura cognitiva distinta do dolo, pois enquanto esse direciona-se ao fim colimado pelo agente em sua ação ofensiva, na culpa a ofensividade advém do extrapolamento de comportamentos. 

O agente, no caso, prevê e deve evitar certas condutas em seu trato diário, observando o chamado DEVER DE CUIDADO OBJETIVO (é isso que traz a imputação: o agente não quer o resultado, mas não é cuidadoso em evitá-lo). Esse "cuidado", grosso modo, quando inobservado, incorre nas modalidades descritas em lei. 

A imprudência consiste na prática de um fato perigoso, a exemplo de dirigir falando ao celular, com uma mão apenas ou, ainda, em velocidade acima da via. A negligência por sua vez, redunda na ausência de precaução, na omissão em relação à cautela, a exemplo de um médico que deixa um bisturi no abdômen do paciente (aqui ele não deixou deliberadamente, ou seja, não agiu imprudentemente, mas, antes, não agiu quando deveria agir). A imperícia consiste na ausência de aptidão técnica para o exercício de determinada profissão, ofício, arte etc. e demanda uma profissionalização. Uma pessoa que dirige sem habilitação - não a obteve - incorre nessa modalidade, pois não houve o reconhecimento oficial. Um dentista que realize uma cirurgia de alta precisão no cérebro de alguém igualmente incorre na imperícia. 

Importante ressaltar que a culpa envolve modalidades: consciente, na qual há previsão do FATO LESIVO, não o agente NÃO ACEITA (pois se aceitar e querer trata-se de dolo) e inconsciente, na qual o resultado é totalmente imprevisto. 

Nas situações de trânsito fala-se muito na CULPA CONSCIENTE e no DOLO EVENTUAL, mas são conceitos totalmente distintos, pois enquanto na primeira HÁ PREVISÃO (ou seja, eu posso prever que um acidente poderá acontecer? Sim, é previsível, pois se trata de risco) mas NÃO SE ACEITA O RESULTADO. Já no dolo eventual HÁ A PREVISÃO E O RESULTADO É INDIFERENTE PARA O AGENTE

Assim, em matéria de trânsito, sempre costumo apontar para uma estrutura mnemônica mais ou menos assim:

CULPA = ACIDENTE por "dar causa"
DOLO = INCIDENTE por "produzir"

Existem, porém, algumas situações nas quais se manifesta uma estrutura híbrida chamada preterdolo (além do dolo). É o caso do art. 129 em seu parágrafo terceiro: "Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo". Ou seja, o desiderato do agente era produzir ofensividade à integridade física mas gerou morte não perseguida por ele. 

Vemos aqui um direcionamento de vontade claro (lesão) na conduta original, mas o desmembramento causal dela advém a título de culpa, acarretando uma punição maior, pois o agente poderia ter tido mais cautela para que a morte não sobreviesse. Esse é o chamado preterdolo, composto de uma ação originária a título doloso que se intensifica - sem a intenção - e resulta em algo mais danoso

Agora olhem que interessante o latrocínio: "Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de 7 (sete) a 15 (quinze) anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, sem prejuízo da multa" pois diferentemente do preterdolo acima, aqui nada se fala sobre o querer. Uma pedra no calo, pois parte da doutrina fala em preterdolo, outra fala em crime agravado pelo resultado. 

Faço distinções. Se num caso concreto estamos diante de um agente que almeja a morte conexa ao roubo - para assegurá-lo - não há que se falar em preterdolo porque não existe estrutura de vontade híbrida - dolo no antecedente e culpa no consequente: há dolo o tempo inteiro. 

Agora diferente é a conduta de um agente que, num assalto, assusta-se e deixa a arma disparar, pois aqui, sim, existe um preterdolo. O que fazer? Diferenciar latrocínio (subtração e morte desejados) do roubo seguido de morte (subtração desejada mas morte não). Entendo como impropriedade da lei, que não fez distinção. 

O juiz poderá fazer... na dosimetria da pena, sob risco de incorrer em violação ao princípio da individualização da pena, bem como da isonomia.