sexta-feira, 20 de junho de 2014

Entrevistar ou não entrevistar, eis a questão...

De um tempo para cá, confesso, tenho andado muito reticente em participar de entrevistas e programas gravados, pois já tive a oportunidade de observar o quanto alguns editoriais já transformaram minhas falas em narrativas desconhecidas de mim o bastante para eu acreditar que era outra pessoa a falar. 

Com isso, passei a aceitar entrevistar ao vivo, pois, em termos de controle, ainda que eu seja pega de surpresa diante de perguntas que não constavam do roteiro, posso desarticular as ideologias que eventualmente alimentam os jornalistas em sua busca por informações e formações midiáticas.

Hoje fui entrevistada sobre um tema já tão batido - a redução da idade de imputabilidade penal - que deveria mais figurar em uma lista cult de temas do séc. XX (juntamente com filmes como Star Wars, Blade Runner ou família Barbapapa), tamanho o grau de obsoletismo e de insistência chata em renovar argumentos pseudo científicos sem eira nem beira. 

Minha sorte: fui indagada antes do evento sobre a minha opinião e, segundo a fala do jornalista, o que se esperava de mim seria uma opinião favorável à redução. Ao final, falei tudo ao contrário e me fiz ouvida...

Isso me fez refletir sobre a responsabilidade que me cabe, tanto como educadora, como pesquisadora, cidadã e ser humano, em relação à reflexão sobre o tema, para fugir de um senso comum absurdamente ignóbil e bucéfalo. Já se discutiu isso esse ano e já se arquivou a PEC da redução. Ao menos por agora. Daqui para a frente é discurso eleitoreiro, bem como martelada estilo Big Brother Brasil para ver se "a coisa pega".

Mas esse pernicioso discurso sempre volta do mundo dos mortos, permeando o ideário coletivo, fomentado pelo recalcamento da raiva não trabalhada na sociedade brasileira, acrescida de autopunição projetada - em um bode expiatória - em face da mais pura omissão social em relação aos temas que dizem respeito a interesses que deveriam ser preocupação de todos: educação, melhor idade, saúde, criança e adolescentes etc.

A preocupação - na verdade, cobrança - quase sempre está relacionada a um mito de responsabilização da criança e do adolescente em face do "mantra" da compreensão que traria a respeito do ato praticado: a ficção da assertiva "o menor (sic) sabe o que está fazendo", "se o menor (sic) vota, então pode se responsabilizar". Talvez para o leigo isso possa fazer sentido, mas, sinceramente, para quem tem o mínimo de uma formação interdisciplinar - que vejo como necessária para começar a discutir a questão - é um vazio discursivo enorme, que chega a causar desconforto e constrangimento em mim todas as vezes em que me permito ouvir algum interlocutor pretender enfrentar o assunto em um diletantismo pedante.

A questão de fundo, ao meu ver, obviamente não diz respeito a saber ou não saber o que se faz, porque sob a perspectiva cognitiva, isso é decorrência da atividade consciente cerebral, que faz conexões causais em cima de metas, finalidades e impulsos (componente emocional). Nada mais imbecil do que repetir isso... 

O nodo reside na maturidade afetiva - categoria do campo psicológico, um mundo negligenciado e discriminado por boa parte da comunidade jurídica até mesmo pelo fato de a Psicologia descredenciar o direito como instrumento humanizante e útil para a melhoria da sociedade e da alma de um ser humano (desculpem aí a franqueza). A capacidade de compreensão e direcionamento de escolhas em cima de uma perspectiva madura de contemplação dos atos e tomada de decisões. Simples assim. 

O infrator "mata por um tênis da moda" - outro mantra. Claro! Em uma sociedade consumista e excludente, um aborrecente já irradia todo o impulso destrutivo de demandas tirânicas dentro do que pode ser considerado um lar estruturado...Por que esse escarcéu, então, ao se deslocar a classe social para a periferia? Falta de estrutura, de condições e de meios de realização enquanto ser humano, somado à omissão de 200 milhões de seres que se limitam a decidir o futuro do país vendo televisão realmente só pode ensejar isso. 

Outra pérola: comparar o Brasil aos países que reduziram a menoridade. Talvez essa seja a maior das imbecilidades, mas, pasmem, ainda vomitadas pelos eruditos desse rincão chamado Terra Brazilis. Não se comparam soluções jurídicas em países com tradições distintas, contextos distintos, estrutura social, política e econômica distintas. 

O Brasil, nessa comparação, quase sempre - minto, sempre! - leva franca desvantagem, pois não investimentos adequadamente nos meios preventivos de controle social formal primário - escola, instituições, formação de base em cidadania etc. - o que, per se, já descredenciaria toda e qualquer tentativa de se firmar uma arqueologia da imputabilidade penal. Cita-se muito o exemplo estadunidense (que está em hecatombe), mas se esquece de aventar os exemplos da Holanda, Noruega, Dinamarca e demais países europeus setentrionais, nos quais o encarceramento pueril não é sequer opção. 

O será que agora teremos que nos pautar na China ou na Indonésia? Creio que não, pois, novamente, ressurge a saga da total dissintonia entre tradições jurídicas de resposta à infração, bem como de modelos de gestão de atos infracionais infantis e adolescentes. 

Soluções? Não existem e nem precisamos que existam. Aplique-se o ECA. Simples assim. E se alguém desejar o encarceramento, faça como Machado de Assis em O ALIENISTA: quem quiser que se tranque nos subterrâneos de sua ignorância...


Abafos e desabafos na conjectura de um (re)exame de ordem...e que desordem!

Depois de um bom tempo em silêncio - desde o dia difícil da defesa do doutorado - estava hoje a refletir sobre os rumos que o Exame de Ordem tem tomado, uma espécie de nau desgovernada, prestes a colidir com rochedos largos denunciando a morte.

Minha turma - 1998 - foi uma das primeiras avaliadas pelo referido parametrizador, seguindo-se, a partir daí, o acompanhamento do certame em face da docência, bem como do lugar de fala como examinadora. De lá para cá muito mudou: globalização, pós-modernidade, facebooks, Ipads, Ipods e massificação acrítica de conhecimento. Desde um aduzido "vento de mudança instantânea" até uma decadência estrutural, tudo se comenta a respeito de aferidores de desenvolvimento curricular e profissional.

Nesse bojo todo me permito afirmar - com a languidez de uma alma já calejada pelos efeitos que a vaidade da ignorância alheia provoca - que o Exame da Ordem dos Advogados do Brasil se transformou - ou sempre foi, outra perspectiva ainda pouco elaborada, mas não menos contundente - em um mero reprodutor de tecnocracia, dados, procedimentos gélidos e dissintônicos do mínimo de solidariedade com as questões relativas à polis

Preciso desenvolver o argumento.

Primeiramente, não adota uma política ou agenda sérias e discutidas amplamente acerca de parametrização de habilidades e competências - sobretudo as de caráter reflexivo - pautando-se para um suposto mercado que, a cada dia, deteriora-se em meio a um marsupial vendaval de mediocrizações e vaidades. 

Isso porque, ainda que se abra o expediente - em nível de Ordem dos Advogados (em suas seccionais), o exame não envolve apenas questões atinentes à profissionalização tecnocrata, mas, antes, à resultante de um processo gradual de desenvolvimento de habilidades e competências que devem ser debatidas em nível didático-pedagógico. 

Uma simples pergunta: formamos técnicos para reprodução? Estamos interessados em profissionais que habitem o mercado apenas para instrumentalizar, ou queremos mudar, conscientizar? Se o dito "mercado" impele para a primeira assertiva, parece que o art. 133 da Constituição Federal se encontra na contramão de tal foco de (in)formação. 

Mas, enfim, com tantas emendas constitucionais reificando a Magna Carta em uma bricolagem de normas formal (e não materialmente) constitucionais, não seria surpreendente - diante disso - pretender se extrair à fórceps o artigo, para que, ao final seja prestigiado o serviço técnico e acéfalo.

O exame já centralizava discussões, encontrando-se, para alguns, em hecatombe no CESPE. Porém, reflito hoje que, ao menos, naquela época, existia algum critério aferidor formativo. Ainda que surreal, porque desconsiderava as diferentes abordagens das faculdades públicas e privadas, acarretando o grande abismo que aloja as federais (outros poços de decadência e obsoletismo) como baluartes de uma excelência digna de habitar o Olimpo. 

Mas existia algo. 

Progressivamente se revestiu em um instrumento de "checagem" de informações retidas mnemonicamente - e que logo serão esquecidas. Não atesta se, DEPOIS DALI, o cidadão ou a cidadã terão empenho moral, ético, reflexivo e, sobretudo, comprometimento com o sentido que a palavra ADVOGADO tem: ad + vocare, clamar ao lado de. Uma lástima perceber a depauperação total...