sábado, 21 de agosto de 2010

Percurso histórico da etimologia da corrupção: Grécia à colônia

Seria muito simplista abordar a corrupção na Administração Pública, apontando para os atos ilícitos do Poder Público nas pessoas de seus servidores, agentes públicos e políticos. Os noticiários estão repletos de notícias assim, envolvendo escândalos de propinas e favorecimentos, podendo fomentar, com isso, o esquecimento quanto à participação cidadã nos assuntos de Estado.

Com o resgate da participação do indivíduo nesse processo – inclusive em termos de responsabilização – almeja-se o incremento da solidariedade entre os membros do corpo social, por intermédio da identificação do cidadão com a estrutura que integra. Longe de ser utópica tal percepção, ela deriva do mais simplista de todos os argumentos: o Estado, bem como sua articulação interna – Administração Pública – existe para a satisfação de exigências sociais e coletivas, partindo, pois, da noção de indivíduo sem a qual se torna impossível o enfoque global do problema.

Em sentido amplo (ou lato), até mesmo a etimologia da palavra corrupção é favorável à compreensão de uma ruptura com ordem estabelecida, uma vez que corruptus advém da aglutinação entre uma partícula de adesão “co” (ao mesmo tempo) e “ruptus” (romper, quebrar), indicando um antagonismo entre uma ordem estabelecida e uma conduta que a viole, a quebre, a desnature .

Uma primeira conclusão advém daí: onde existe coletividade, pluralidade e divergência, provável e possivelmente existirá corrupção, pois essa nada mais é do que elemento integrante de um sistema social que comporta a diversidade. Daí a substituição da expressão “combate à corrupção” pelo “controle da corrupção”, mais sincera com a percepção de existência eterna de condutas corruptas na história ocidental .

Sérgio Habib chega à mesma conclusão, ao afirmar não ser a corrupção uma característica peculiar a um tipo de governo, Estado ou administração, mas um resultado direto do que se percebe como afrouxamento de padrões morais e alargamento de tolerabilidade em relação à impunidade (1994, p. 26), que estão ou podem estar presentes em todas as sociedades.

Tendo em vista a tradição republicana que origina a compreensão jurídica e política brasileira remontar às clássicas concepções estadistas gregas - que influenciaram Roma na estruturação de sua República e seu Império -, importante considerar a ancestralidade do conceito de corrupção, já presente em Aristóteles por ocasião de sua obra “Da geração e da corrupção”, texto que analisa a manifestação do movimento a partir do diálogo com os pré-socráticos Parmênides e Heráclito.

Nunca é demais lembrar que o particularismo aristotélico é o paradigma (ou modelo) de compreensão do Estado a partir da pluralidade e diversidade de pessoas que se encontra submetida a uma ordem natural e imutável, disposta numa hierarquia fixa submetida a uma noção de cosmo fragmentado numa região celeste ou supralunar - na qual os fenômenos são determinados - e uma região sublunar, marcada pela contingência que dá origem à discussão sobre geração e corrupção (FARO, 2004, P. 26).

A corrupção, ali, corresponde ao maior ou menor grau de gênese e destruição presente na região sublunar, palco de mutabilidade e vicissitude, bem como sinônimo de rompimento com a ordem.
Momentos depois, já em Roma, a Lei das XII Tábuas deixava à mostra a preocupação do Estado com as condutas praticadas pelo magistrado, pois constava na tábua nona a previsão de morte para o juiz corrupto: “Se um juiz ou um árbitro indicado pelo magistrado recebeu dinheiro para julgar a favor de uma das partes em prejuízo de outrem, que seja morto” .

Mesmo que o dispositivo se relacione à corrupção nas estruturas do Estado (enquanto o presente foco diz respeito, especificamente, à corrupção que parte da conduta de particulares), importante firmar a compreensão de existência de uma preocupação remota com o tema.

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