sexta-feira, 10 de setembro de 2010

A velha e a moça - o direito na pós-modernidade e os paradigmas emergentes


Todas as vezes em que me pego na "postura jurídica" de tentar "normatizar" o mundo a partir da minha compreensão dele, penso na figura da velha-moça acima.

O que você vê ao observar a figura? Observe por vários ângulos, de cima a baixo, variando e deslocando o centro de sua atenção em relação ao desenho. O que, de imediato, chamou sua atenção na figura?

Interessante como a mente se condiciona à observação e à catalogação imediatas, porque alguns ou algumas de vocês podem ter observado, a partir da fita amarrada no pescoço, uma bela moça, envolta por um casaco de pele, ostentando uma espécie de chapéu. Acertei?

Mas, surpresa! A mente-catalogadora pode nos pregar peças, pois, se você observar o desenho “mudando” a maneira com que definiu seu roteiro de percepção (ou, melhor, seu paradigma), passando a “ver” o risquinho do colar como sendo uma “boca”, perceberá que a bela moça transformou-se, num passe de mágica, numa bela senhora!

Rubem Alves traz esse exemplo em sua obra Filosofia da Ciência: introdução ao jogo e suas regras (1984, p. 156), advertindo-nos para a inexistência de mudança nos dados – já que o desenho é o mesmo.

O que mudou? Nossa percepção sobre os elementos fornecidos! A maneira como nos posicionamos em relação ao mundo e aos dados, a partir da compreensão que adquirimos no curso do acúmulo e reflexão sobre o conhecimento e a vivência.

E o que isso exatamente tem a ver com o estudo e a reflexão sobre o direito?

Afinal, onde caberia espaço para a discussão sobre a moça e a senhora? Fácil na maneira como nos posicionamos em relação à abertura para as possibilidades dentro do direito.

Isso não a torna a tarefa menos ou mais científica, menos ou mais rigorosa, ou, ainda, menos ou mais séria do que a “ciência” que “se proclama correta”, porque, no fundo, a ciência que se diz inexorável e excludente das demais pode representar um mero e arbitrário exercício de poder: um cidadão fala e outros, sem avaliar, pensar, refletir ou criticar, apenas aceitam.

Isso não é ciência, é fanatismo. Por certo não será o caminho que desejo compartilhar com vocês.

Portanto, ao invés de revelar “A” fórmula mágica para definir, conceituar e catalogar “direito” trarei para a discussão conceitos e percepções abertas sobre o tema, a partir da compreensão de paradigma.

Longe de representar uma fórmula fechada, inquestionável e inexorável, um paradigma representa um modelo descritivo e analítico. O que torna um pensamento, uma doutrina, uma teoria ou hipótese um paradigma? Importante responder a tal indagação, já que a proposta de mudança aqui é revelada e anunciada como sendo paradigmática.

A fim de responder essa pergunta, necessitamos do conceito de paradigma, palavra advinda do grego “paradeigma”, que significa padrão ou modelo, acepção posteriormente desenvolvida pelo físico Thomas Kuhn a partir do livro A estrutura das revoluções científicas.

Um paradigma surge como uma idéia aceita pela comunidade científica e acadêmica, uma resposta possível para explicação de um fenômeno, não constituindo um modelo fechado de induvidosa certeza.

Uma revolução científica viria a existir, para Thomas Kuhn, a partir do momento em que um novo paradigma ocupasse integralmente o lugar de um outro, então, superado. Mas, até a superação do modelo antigo, os paradigmas coexistiriam, cada qual, em sua proposta descritiva e causal do fenômeno científico, num movimento de repulsa recíproca – já que são antagônicos.

Mas, no caso do estudo de direito, qual seria o paradigma a ser superado, o qual seria o paradigma emergente?

Para Boaventura de Sousa Santos, o paradigma emergente - especulativo e não definitivo - envolve um paradigma científico (conhecimento prudente) aliado ao paradigma social (ou de uma vida decente), a partir da lembrança:
  1. todo o conhecimento científico-natural é científico-social (introduzindo, assim, a consciência no objeto, de maneira sincrônica);
  2. todo o conhecimento é local e total, por via da superação do dualismo, de modo a se aproximarem as ciências sociais e naturais;
  3. todo conhecimento é autoconhecimento, por meio do regresso do sujeito ao ato de conhecimento, trazendo continuidade e caráter autobiográfico ao saber;
  4. todo conhecimento científico visa constituir-se em senso comum (2001, 36-58).

Bibliografia:


SANTOS, Boaventura. Um discurso sobre as ciências. 12 ed. Porto: Edições Afrontamento: 2001.
ALVES, Rubem. Filosofia da Ciência: Introdução ao jogo e as suas regras.12 ed.São Paulo: Loyola, 2.007.

2 comentários:

Anônimo disse...

Adorei quando vc faz o seguinte argumeto: "Portanto, ao invés de revelar “A” fórmula mágica para definir, conceituar e catalogar “direito” trarei para a discussão conceitos e percepções abertas sobre o tema, a partir da compreensão de paradigma".
Beijos, Manoel Valente

Alessandra de La Vega Miranda disse...

Manuuuuuuuu, isso mesmo, alargamento de fronteiras, para a desmistificação dos nossos preconceitos mais profundos!!!!
Valeu!