quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Ministro do STF defere liminar para o juiz de Sete Lagoas voltar a falar em religião na 11.340/06

Acabei de postar um curso, módilo, oficina, sei-lá-o-quê sobre a Lei Maria da Penha, aboradando um assunto sério, de natureza constituciional, e me deparo com essa bomba aqui... Tenho vontade de postar a sentença do juiz, mas, em virtude da decisão do CNJ, não o farei.

Deveria, para evidenciar a todos o quão entranhada de religiosidade e preconceito de gênero está a malfadada sentença, falando que "o mundo é masculino e assim deve ser", que a culpa dos males é da mulher...enfim, de A a Z um tratado de atrocidades.

Não me posiciono de um lugar de fala ateu, agnóstico ou congênere. Apenas penso que os assuntos dessa natureza não podem ou devem ser trazidos como sustentáculo para decisões judiciais, tendo em vista que ferem a liberdade religiosa, já que a sentença prestigia um credo (ou dois, talvez três).

Vivemos eu um Estado plúrimo, de etnias diversas, que deram origem a percepções religiosas distintas, de tal sorte que, ao elencar uma, o douto magistrado simplesmente deixa vir à tona sua representação marcada de etnocentrismo.

Os indivíduos têm o direito a um acesso a uma Justiça que não faça distinção de credo, a começar, praticando, ela mesma, por meio dos seus órgãos, esse respeito. O Ministro Marco Aurélio, como órgão do colegiado supremo, ou seja, fazendo parte do Judiciário, igualmente poderia bem observar isso...

Afinal, está tão claro, no preâmbulo, que Deus, na CF/88, não está contido nas linhas. Mas, ao que parece, nas entrelinhas, sendo "aproveitado" nos discursos jurídicos (na verdade, a sentença, para mim, é uma RETÓRICA DE A A Z, vazia semanticamente e repleta de sofismas)

O Douto Juiz está de volta para cometer mais atrocidades com a lei Maria da Penha...

Eis a notícia...

O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), deferiu medida cautelar em Mandado de Segurança (MS 30320) para suspender ato do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que afastou por dois anos o juiz Edilson Rodrigues. O afastamento foi determinado em procedimento administrativo disciplinar em que o juiz era citado por ter feito considerações contrárias à Lei Maria da Penha e às mulheres. Para o ministro, a providência de afastar o juiz foi inadequada “porque as considerações tecidas o foram de forma abstrata, sem individualizar-se este ou aquele cidadão”.

"É possível que não se concorde com premissas da decisão proferida, com enfoques na seara das ideias, mas isso não se resolve afastando o magistrado dos predicados próprios à atuação como ocorre com a disponibilidade", afirmou.

O “excesso de linguagem” foi apontado em sentença prolatada em 2007 em processo que envolvia violência contra a mulher, quando o juiz era titular da 1ª Vara Criminal e Juizado da Infância e Juventude de Sete Lagoas (MG). Em junho daquele ano, a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais formalizou representação junto à Corregedoria do Tribunal de Justiça estadual e ao CNJ, solicitando providências quanto às “declarações de cunho preconceituoso e discriminatório”.

A representação foi arquivada pela Corregedoria do TJ-MG, mas, no CNJ, converteu-se em procedimento de controle disciplinar que resultou na imposição da pena de disponibilidade compulsória, por considerar a conduta discriminatória “análoga à do crime de racismo”. Para o ministro Marco Aurélio, “entre o excesso de linguagem e a postura que vise inibi-lo, há de ficar-se com o primeiro, pois existem meios adequados à correção, inclusive, se necessário, mediante a riscadura – artigo 15 do Código de Processo Civil”.

Em seu despacho, o ministro observa que o autor de atos contra a honra de terceiros responde civil e penalmente, conforme previsto no artigo 5º, inciso X da Constituição Federal. “Agora, se o entendimento for o de que o juiz já não detém condições intelectuais e psicológicas para continuar na atividade judicante, a solução, sempre a pressupor laudo técnico, é outra que não a punição”, afirma. No caso, a manifestação do juiz é, para o relator, “concepção individual que, não merecendo endosso, longe fica de gerar punição”.

O despacho do ministro Marco Aurélio suspende a eficácia da decisão do CNJ até o julgamento final do Mandado de Segurança, e garante ao juiz o retorno, caso afastado, à titularidade do Juízo no qual atuava.

fonte: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=172727&tip=UN

4 comentários:

Anônimo disse...

Pois é, Alê. Ao ministrar uma aula, hoje, ponderei com um aluno o seguinte: se somente o OUTRO é que "errado", e eu sempre o "certo", NUNCA haverá mudança no mundo.

Alessandra de La Vega Miranda disse...

Isso é bem interessante mesmo, principalmente se o eixo da precisão, certeza e correção, da moralidade e da ética centrar-se, como você disse, na mais pura forma de etnocentrismo, a egoica.
Ela mina o espaço de dissenso numa democracia e acaba instaurando uma ditadura (no caso, do Judiciário, mas, lato senso, do Estado pripramente dito) a sufocar a diferença.
Nunca é demais lembrar que na Revolução Francesa os chamados "criminosos" eram a plebe e a burguesia, mas, na alocação do poder político e jurídico, foi a monarquia quem se enviou às galés. E, ainda que sob a escusa de liberdade, igualdade e fraternidade, pessoa como Olympe de Gouges, a escritora da Declaração dos Direitos do Homem, DA MULHER e do cidadão, também foi guilhotinada por conta disso.
As guilhotinas mudaram pois agora são canetas, computadores e laptops...e, no caso do magistrado, a Bíblia!

Anônimo disse...

Estava procurando um lugar para discutir esse posicionamento do ministro marco aurélio... Espero que esse seja um espaço aberto!!

Vcs repararam que o mesmo ministro marco aurélio disse que não existem mais meninas de 12 anos, mas moças no HC 73662-9 e que foi ele que negou o pedido de liminar para suspender todos os processos que discutem a eficácia e constitucionalidade da Lei Maria da Penha na ação declaratória de constitucionalidade?

Alessandra de La Vega Miranda disse...

Olá!

Esse é um espaço MATERIALMENTE aberto e democrático, Seja bem-vindo@!

Sim, naquela época ele já retirava a tutela de proteção do direito penal, sob a escusa de o "acesso aos meios de informação" produzirem, por si só, conscientização, como se a maturidade afetiva fosse proporcional ao acesso midiático. Tenho nisso um sofisma.

Prova é tanta que existem campanhas de conscientização sobre uso de preservativos, veiculadas até em novelas - de irrestrito acesso - e isso não obsta o boom de gravidez na adolescência...

Muito senso comum, sem relevo técnico em relação ao marco para identificar maturidade afetiva. A questão não é ter - ou não - sexo, mas discutir a compreensão, a consciência e a maturidade em relação ao que ele envolve...

Penso que isso revela uma discrepância de gênero enorme, porque, a bem da verdade, está, por via oblíqua, fortalecendo o pensamento machista do magistrado...