quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Novos inícios!

E cá estamos em um feliz retorno à pátria do conhecimento!

Mais um semestre, com novos horizontes rompendo-se bem à frente!

Hoje iniciamos as primeiras linhas de Direito Penal 3, voltando ao nicho onde fui "criada". Com isso, nada mais oportuno que apresentar as marcas de minha matiz política e ideológica em relação ao direito penal e ao sistema penal.

Primeiramente, como percebo o sistema penal? Como uma instância ou agência (no Direito falamos em "instituição") de “controle social punitivo institucionalizado” (ZAFFARONI, 1984, p. 07), que se revela e expressa em uma realidade própria, “e não aquela abstração dedutível das normas jurídicas que o delineiam”, consoante interpreta Batista (1996, p. 25).

Ou seja, o sistema penal pertence ao mundo do "ser" e não ao plano quixotesco do "dever ser", agindo e atuando de maneira fragmentada e esquizóide, somatório “dos exercícios de poder de todas as agências que operam independentemente e, de modo algum, aquilo que a palavra “sistema” quer assinalar no terreno da biologia ou em outros análogos” (1991, p. 144).

Longe de representar a organicidade, harmonia e coerência interna de partes componentes, percebo no sistema penal um somatório de partes autônomas, cujo funcionamento não está centrado de maneira conjugada ou superposta, mas, antes, de forma compartimentada e heterogênea, revelando, desta maneira, um caráter de velada perversidade (1991, p. 29-30), não muito diferente da compreensão trazida por Nilo Batista, que acrescenta a seletividade, a injustiça, a repressão e a estigmatização como caracteres fundantes do nosso sistema penal.

Eis a razão pela qual esposo com a necessidade de observar que a dogmática jurídica (na qual incluo o direito penal) peca por um reducionismo estanque da complexidade fenomenológica, nem como pelo excessivo hermetismo e pela compartimentação epistemológica, destacada da empiria. Com isso, corre-se o risco de adentrar no universalismo a-histórico, a conceber um direito destacado do contexto histórico, sob a pretensa alcunha de consolidação em cima de premissas universalmente válidas. Ou seja, pé no chão e sem quimeras quixotescas!

Enfim dentro disso e retomando a fala, tenho no direito um subsistema autônomo, decodificador da linguagem dos demais – sociais, políticos, econômicos, culturais lato sensu – erigindo, desta feita, a percepção de enclausuramento organizatório, relacionada à auto-referência que este âmbito do conhecimento traz para seu campo de abrangência, ao operar conforme seu próprio código ordenatório, concomitante, contudo, com os demais subsistemas componentes da sociedade. Ou seja, um verdadeiro código operacioanl, com linguagem e técnica peculiares, cuja função principal consiste no exercício de controle social.

Dialogo, daí, com a percepção de Andrade acerca da topografia do direito penal enquanto “elaboração técnico-jurídica” da dogmática jurídico-penal, que, segundo a autora, constitui o paradigma científico emergente na modernidade, caracterizada numa promessa funcional de elaboração, bem como na interpretação das normas e defluentes, cuja função precípua é o desenvolvimento de um sistema de valores conceitos integrados, garantindo a uniformização e previsibilidade das decisões judiciais e aplicando-as de maneira igualitária e segura (1997, p. 26), o que não é sinônimo de justiça!

Também dialogando com Zaffaroni, entendo o sistema penal em completa crise sistêmica, a começar pela perda de segurança da "resposta penal". Em que sentido? , sua marca simbólica. Para tanto, identifica o autor problemas estruturais contidos na lógica de exercício de poder de todos os sistemas penais, principalmente a partir da:

"seletividade, a reprodução de violência, a criação de condições para maiores condutas lesivas, a corrupção institucionalizada, a concentração de poder, a verticalização social e a destruição das relações horizontais ou comunitárias (1991, p. 15)."

Os pontos centrais de crítica convergem para a ausência de racionalidade do sistema penal, manifestada pela inexistência de coerência interna, no que tange à adequação entre fins teoricamente delimitados pelo sustentáculo que a dogmática lógico-jurídica colima, à concretude da operatividade da estrutura, dissonante do discurso programado.

Isto porque, segundo Zaffaroni, o sistema penal não atua de acordo com a legalidade, pois, para o mesmo, “a operacionalidade real do sistema penal seria “legal” se os órgãos que para ele convergem exercessem seu poder de acordo com a programação legislativa tal como a expressa o discurso jurídico-penal.” (1991, p.21)

A ausência de consonância entre o discurso programático e as práticas reais exercidas pelos agentes envolvidos na instância em comento findam por constituir uma estrutura de “controle social militarizado e verticalizado” (1991, p. 23), responsável pela introspeção e reprodução das relações de poder escalonadas, apanágio da interiorização foucaltiana de vigilância panóptica disciplinar.

A ilegalidade nas práticas arbitrárias afasta, portanto, a racionalidade do sistema penal, na medida em que possibilita, segundo Zaffaroni, a contradição entre níveis de uma denominada “verdade social” (1991, p. 18), caracterizada no plano abstrato, de acordo com os fins propostos, acrescido ao concreto, materializado na exigência de operatividade, por parte dos indivíduos componentes do sistema, de acordo com as metas.

Essa discrepância fomenta, por outro lado, a atuação paralela e descoordenada das instâncias de controle, findando por afastar a racionalidade do sistema penal do compromisso com a legalidade.
Não é outro o pensamento de Hulsman, ao perceber ser impossível a aplicação de uma pena justa oriunda do sistema punitivo, dado seu caráter aberrante e irracional, fruto da construção humana abstrata e minuciosa, mas que não fornece respostas ao longo do tempo, ante a discrepância entre a concretude e a construção (1997, p. 29).

Para Hulsman, o malogro do sistema estaria também relacionado à confusão entre legitimação e realidade, pois:

"a desumanidade do sistema penal está, em parte, na situação em que reciprocamente se colocam o imputado e os agentes que dele tratam. No contexto deste sistema, onde aquele que é acusado não pode verdadeiramente falar, não tem a oportunidade de se expressar, o policial ou o juiz, mesmo que queiram escutá-lo, não podem fazê-lo. É o tipo mesmo de relações instituídas por este sistema que cria situações desumanas... (1997, p. 36-37)"

Por isso os abolicionistas atraem tanto a atenção dos estudiosos...

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