terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Sobre o estelionato emocional e outros ensaios...

Tod@s já conhecem, ao menos por alto, a figura do estelionato, descrita no art. 171 do Código Penal Brasileiro, de acordo com a seguinte redação: "Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento". Trata-se de uma lesividade direcionada ao patrimônio (dada sua posição dentro da sistematização do CPB, blá, blá, blá).

É tido como um crime de astúcia (como se a mente humana assim não fosse, ou, ainda, nossos atos, genericamente considerados dentro de uma escala de evolução de primatasa também não. Mas, enfim) ou seja, que não verte sangue, perfazendo-se por meio da dissumulação, do ardil, do embuste, com a finalidade de auferição de benefício que, segundo a doutrina, tem conteúdo ou expressão patrimonial ou dimensão econômica.

Quando o assunto diz respeito ao direcionamento da atividade lesiva para tal estutura de dano de dimensão patrimonial e auferição de vantagem econômica, ninguém tem dúvida sobre momento consumativo, estrutura típica etc. - aquela mesma conversa que recheia os livros de doutrina, os corredores de faculdades e a hora do chá nos tribunais. É a expressão máxima do direito patrimonialista, que sempre esteve às voltas em situar o patrimônio andando "casadim" com a vida (basta ver o índice sistemático do CPB e enxergar isso).

O que está me ocupando, por agora, é saber como o direito penal (sim, esse que ainda insistimos em "sacar" do coldre para quixotescamente lançar, como dados, na "luta", "resolução", no "combate" à criminalidade [coloquei entre aspas por achar um absurdo ainda insistirmos nesses verbetes: "luta" e "combate", como se estivéssemos em guerra; "resolução" como se a decisão judicial, a execução da pena de demais consectários trouxesse a satisfação plena dos envolvidos] enfrenterá uma tipologia de criminalidade que envolve a astúcia como manobra ou meio de consecução para a chamada (e não tipificada) "violência psicológica" prevista no art. 7o. da Lei 11.340, a Lei Maria da Penha.

Segundo a redação inovadora, entende-se por violência psicológica contra a mulher toda "conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação" - uma estrutura de comportamento que visa o chamado DESEMPODERAMENTO da mulher e que, na empiria, ou seja, na "real" da nossa vida, reflete um comportamento que simplesmente esvoassa, como ar, de tão arraigado na prática diuturna da sociedade brasileira, presente em todos, TODOS os nichos sociais, de A a Z.

Trata-se de um tipo de tutela que toma como pressuposto o estado de vulnerabilização em que a relação se transmudou, que pode tanto ser estrutural (ou seja, a sistemática da relação, desde sempre, se fez assim, na assimetria) ou conjuntural, verificada em termos de processos que foram paulatinamente se perfazendo, depois de um evento ou outro processo.

Seja vulnerabilização estrutural ou não, o que está claro, na lei, é a resposta diante do verbete "violência psicológica", com condutas que, grosso modo, estão presentes como prius ou antecedente lógico de uma conduta que extravaze a agressão à psiquê e aponte para a ofensividade visível no corpo e na mente (refiro-me à modalidade de lesão corporal tipificada no CPB).

O que está claro para mim é a ausência completa de tipificação e, quiçá, de preocupação em lidar, em termos penais, com o ataque psicológico contra a mulher em situação de violência, pois todas as condutas acima - todas, sem exceção - não trazem verbete algum em termos de tipificação penal.

A consternação reside na constatação de que, no caso de violência doméstica, a agressão, via de regra, começa lá atrás, exata e pontualmente na dinâmica do ciclo de violência onde o físico e o mental (no sentido de neurológico, e não comportamental) são finalmente atingidos depois do psicológico ter sido deteriorado há tempos. Disso não se ocupa a tutela penal, ainda que a lei traga uma inovação em termos de detalhamento de violência.

Ou seja, o ataque à mente não interessa ao direito penal, ao sistema penal, enfim, à tutela, mas, paradoxalmente, a estrutura do sistema, como um todo, lastreia-se na lógica foucaultiana de mudança do suplício corporal (tortura) para a dizimação mental (desumanização por via de docilização de mente e corpo, o panóptico de Bentham). É uma MA RA VI LHA a hipocrisia na política criminal, penso!

Bom, esse assunto de intervenção penal deixo para outro post...

O que está me trazendo deleite é me debruçar sobre a figura do "estelionato emocional", uma modalidade ainda não típica - mas que causa danos, morte, dor, sofrimento.

"Delito" (piadinha, nem é típica a figura) praticado pelo uso da potencialidade discursiva, mental, onde o algoz ou a algoz, quase sempre vestid@ de capa de bom moço ou moça, erudit@, sedutor@, engendra formas de submeter a vítima aos seus propósitos, no intuito de se locupletar emocionalmente de uma história de "amor" cujos dividendos apenas se direcionam ao "bom mocinho" ou "à princesinha".

O sujeito ativo, ou seja, o/a ofensor, pode ser tanto um homem quanto uma mulher, mas, por motivos de pura epifania e deleite, hoje irei falar do estelionato emocional praticado no âmbito da violência de gênero e doméstica, por reconhecer que, historicamente situada, essa foi e tem sido a mais constante modalidade de agressão, em face da obviedade da tradição de sodomia emocional do feminino.

Não estou falando nada que historicamente não esteja evidenciado... Holocausto de mulheres. Femicídio. Discriminação. Seres sem alma para Platão, alijadas politicamente na pólis, bruxas, putas e outras alcunhas...

O que me interessa, por agora, é articular a dogmática na violência doméstica com a dimensão emocional, ou, dialogando com o Professor Luís Roberto Cardoso, o "insulto moral" que cerca a sutileza da agressão psicológica, ainda não convertida em delito. Ou seja, o estratagema voltado para a usurpação ou ataque psicológico, de proporções emocionais, que traz como resultado seu desempoderamento (ou, como preferirem, perda de autonomia): o chamado "estelionato emocional", presente em inúmeros casos de violência doméstica, que demanda cuidado e, infelizmente, ainda não está previsto em lei, não obstante a Lei Maria da Penha fazer menção direta a essa modalidade de violência.

No estelionato emocional, o alvo é a integridade psicológica da vítima, que é atacada, pouco a pouco, por meio de um processo de esfacelamento e desintegração da sanidade. Quem já não ouviu de um canalha desses o clássico "você está louca?" após serem descobertos em alguma falha no plano "perfeito" de desestabilização da ofendida?

Isso é um continuum, ou seja, uma conduta que se elonga temporalmente, lembrando-nos que também precisamos refletir a respeito de sua articulação com o art. 4o. do CPB, pois, afinal, o crime se deflagra no tempo da ação ou da omissão. O que dizer de uma conduta elongada, dessa natureza? Unidade de desígnio? Crime continuado? Hehehe...

O ciclo de violência começa com o ataque à mulher enquanto ser pensante e atuante politicamente: o estelionatário aprecia o lado "meiguinho", doce e sereno da "amada", não suportando as reações da vítima diante das manobras fraudulentas.

O ofensor toma isso como ato de agressividade quando, a bem da verdade, trata-se de ato de legítima defesa diante do ataque sofrido. Daí o ardil tomar outra forma: a de extirpação, ódio e violência recalcadas em mais e mais demonstrações de manipulação, outra face dessa sui generis modalidade de violência.

O estelionatário tem sempre o dom da palavra (por isso o trocadilho com o 171), pois precisa cativar a vítima e, diante disso, necessita formatar o discurso de acordo com a situação. Envolvimento.

Eis a dinâmica do estelionatário emocional, pois o ofensor capta a fragilidade e, dentro dela, nada de braçada, escaneando os pontos que poderá explorar, quando tecer suas teias de histórias inverossímeis, numa dimensão simbólica da violência tida como sutil (para alguns operadores do direito, "nem tão imoprtante assim"), mas que, diluída em doses homeopáticas, cega, fere e pode até matar.

A sujeição passiva? Mulheres empoderadas, dado o ódio feroz nutrido pelo feminino. Aliás, apenas para suscitar polêmica, penso que o estelionatário emocional odeia o feminino e faz questão de submetê-lo ao seu jugo, pelo simples deleite de integralizar alguma perversão que internamente nutre em relação ao suplício cometido.

Assunto para mais outro post, pois, neste, contento-me em expor o completo FRACASSO DA DOGMÁTICA PENAL, d@s legislador@s na criminalização primária, d@s operador@s do direito, enfim, em lidar com isso. Lidar com o ataque ao que é mais importante: os domínios da mente...

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