domingo, 21 de agosto de 2011

Poena, ponos, punya: tudo é DOR!!!



Semana passada perguntaram para mim qual a utilidade da pena e, sem pestanejar, falei "nenhuma, apenas produzir dor". Meio ortodoxa e radical para uns, leviana e sem aprofundamento crítico para outros. Insana, para outros tantos, principalmente se considerando o fato de ser - ou estar - professora de Direito e Processo Penal.

Não poderia, contudo, falar algo que fosse diferente da minha matiz experiencial, de minha vivência e reflexão em cima do que já li, ouvi, presenciei e pesquisei. Ao contrário do que possa parecer, não vivo trancada numa torre de marfim, dentro de um gabinete ou de um escritório. Ou, ainda, sentada em "berço esplêndido" de uma sala de aula com ar condicionado.

Meu lugar de fala parte de uma multiplicidade de enfoques, todos eles bem pé no chão, a partir da vivência como advogada, apanhando a cada dia, bem como pesquisadora incessante, que se lança no mundo, interagindo com ele, ora como espectadora, ora como personagem.

Assim, falar sobre a pena e a sofisticação de montagem de um sistema penal vem do conforto de quem se debruça a sair da zona de conforto produzida pelo noticiário e pela mediocridade dos editoriais e apresentadores que poucos sabem de si e, por isso, nada sabem dos outros e da vida.

Quer seja a etimologia: poena (latim), ponos (grego) ou punya (sânscrito), tudo gira em torno de sofrimento, dor e purificação, num manancial vertido de duras lágrimas, trazendo uma vinculação explícita da pena à expiação, ao suplício, à dor e à violência, sobretudo se considerarmos nossa insistência na "civilidade" do direito romano e na redenção apresentada pela ideologia contida no direito canônico (de matiz judaico-cristã a expressar culpabilidade).

Para Carneluti - bem maniqueísta e literato no formalismo como maneira de engavetar o mundo dentro do processo - a pena, do mesmo modo que o delito, “é um mal, ou, em termos econômicos, um dano” (El problema de La pena. Buenos Aires: Europa-América, 1947, p. 14) que implica a perda de bens jurídicos (mais notadamente, a LIBERDADE).

Já Zaffaroni fala em coerção penal como ação de contenção ou repressão que “o direito exerce sobre os indivíduos que cometeram delitos” (Manual de Direito Penal, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2001, 741). Tudo muito higiênico, conceitos muito elaborados, eruditos, dignos de nossa intensa produção jurídica, mas que encobrem a sensibilidade da empatia de perceber no outro a tiragem da aplicação de sofrimento.

Nosso pedigree é bem farto: parece ter sido feito num "balaio"de gatos de clonagem clássica, miscigenação entre direito grego, romano, canônico e germânico, gravitando entre uma forte tradição moral, religiosa, consuetudinária, oralmente transmitida e castigo, expiação como reação punitiva de caráter religioso, sacralizado.

O contexto de algumas sociedades tribais revela, em diversos momentos históricos, a tônica da resposta coletiva calcada, ora na vingança perpetrada pelo ofendido ou por sua família, como reação direta dos membros do grupo e fortalecedora dos laços de coesão entre os indivíduos, ora na vingança divina, por intermédio da qual se aplacava a vontade contrariada dos deuses, posteriormente transferida para o eixo de poder regulatório do Estado, ante o desenvolvimento pelo qual as sociedades vão atingindo outras formas de organização (FRAGOSO, 1994, p. 30).

Por fim, pode-se compreender a pena resultado mais visível da sofisticação do instrumento estatal de exercício de controle social, no intuito de produzir uma gestão regulatória de condutas, no caso, manifestando parcela de controle social punitivo.

Saímos das masmorras abaixo do rei para a invisibilidade da penitenciária. Da aplicação de suplícios corporais em meio à praça pública - como forma de impactar a vila para purgar o atentado ao "corpo do rei" - para a domesticação dos corpos por meio da "aprendizagem" e ataque à mente. Da desorganização das latrinas dos calabouços para rentáveis fórmulas de economicidade no exercício da raiva. Da sodomia do físico para o aniquilamento mental. Como, então, dizer que a pena teria outra finalidade, então?

Se tenho na pena retribuição, devolvo dor com dor, gerando, assim, mais dor, de modo a irromper, daí, a imprestabilidade do retribucionismo puro e simples. Se "ressocioalizo", descubro que, além do conceito de "socialização" já ser problemático (que sociedade? que valor? que socialização?), o de "re-alguma-coisa" o torna quixotesco!

Prevenção, pois, sem se cogita...

O que resta?

Não sei, estou pensando...


Por isso, ao menos, coloquei uma foto de um cara bonito, pois, enquanto penso na dor, olhando o moço sentindo dor naquele corredor, posso pensar na pena...