HOMICÍDIO
PRIVILEGIADO (art. 121, §1° do CPB)
1.
Natureza jurídica e aplicabilidade:
·
causa de diminuição da pena, não constituindo, de fato, privilégio,
como, por exemplo, o infanticídio, que possui faixas de pena. Mas, em face da
popularização do termo, ficou como privilegiado em função do caráter de
moralidade que traz um abrandamento da fixação de pena (Nucci). Redução na pena
em face de peculiaridades que marcam menor reprovabilidade do ilícito.
Valorações ético-jurídicas.
·
poder-dever na redução: obrigatória. Observar a edição da Súmula 162 do STF que tratou da obrigatoriedade de inclusão
na quesitação, que reforça a tese de obrigatoriedade (direito subjetivo
público). A referência à discricionariedade (pode) diz respeito ao quantitativo
de pena, e não à aplicação ou não da redução. ? Mais uma vez um diminuto (mas
clássico) dissenso doutrinário, pois há quem entenda ser uma faculdade, não
vinculando o(a) aplicador(a) da lei, como pretende Magalhães Noronha (1994, p.
25), opinião compartilhada com Frederico Marques e Mirabete[1]. Entendo se tratar de uma
obrigatoriedade para o(a) juiz(íza), na qual a referência a “poder”
restringe-se à escolha da faixa de diminuição de pena. Dito de outra maneira,
penso que o(a) legislador(a) atribuiu uma regra de obrigatoriedade, na medida
em que especificou as condições – na redação do parágrafo, bem precisas e
pontuais - para que se processe a diminuição, estabelecendo limites para o(a)
aplicador(a) da lei. Assim, a palavra “pode” não está relacionada à
obrigatoriedade ou não de se reduzir, mas ao limite de quanto se reduzirá a
pena.
2.
Análise do tipo: art. 121, § 1º: “Se o agente comete o crime impelido por
motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção,
logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de
um sexto a um terço”
·
Motivo[2] é a razão pela qual atuamos no mundo, o
centro irradiador do direcionamento da ação, fundamento contido em nosso
querer. Quando se fala em motivo de relevante valor social, o que está
por trás é o fundamento ético-social que sensibiliza a coletividade e que
esteia a razão pela qual o agente cometeu o ato. Alguns autores citam o
exemplo de se matar o indivíduo que trafica drogas em uma escola, conclamando a
causa de diminuição de pena como fundamento do extermínio[3]. Não sei bem se é possível
legitimar uma situação assim, porque, com isso poderíamos cair na armadilha dos
“justiceiros”, o que é incompatível com um Estado de garantias individuais.
·
Relevante valor social: interesse coletivo (amor à pátria, comoção
pública).
·
Relevante valor moral: valor superior, numa moral objetivada,
predominantemente individual, ao que é importante para a pessoa do agente (cidadão
que mata o estuprador da filha) Eutanásia.
Vide concurso com art. 65, III, “a” do CPB (bis in idem). a) eutanásia[4]
(homicídio piedoso); b) ortotanásia (homicídio piedoso omissivo-
eutanásia moral ou terapêutica – autorizado pelo art. 66 do Código de Ética
Médica); c) distanásia (morte lenta e sofrida por processo “terapêutico”).
·
Sob o domínio de violenta
emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima: critério
complexo (violenta emoção + instantaneidade + provocação valorada como
injusta). Diferenciação entre emoção (estado afetivo passageiro) e paixão
(estado crônico de emotividade que se prolonga, monopolizando o ser). Vide art.
65 “c” e entendimento do STJ: “Cumpre ressaltar que, no homicídio
privilegiado, exige-se que o agente se encontre sob o domínio de violenta
emoção, enquanto na atenuante genérica, basta que ele esteja sob a influência
da violenta emoção, vale dizer, o privilégio exige reação imediata, já a
atenuante dispensa o requisito temporal” (AgRg no Ag 1060113
/ RO - Ministro OG FERNANDES - SEXTA TURMA - 16/09/2010). A injustiça da
provocação (não é agressão) está relacionada à equidade, não
razoabilidade. Instantaneidade deve ser observada com ponderação, sendo que o
limite é a premeditação, bem como a vendeta (tempo decorrido para estabelecer a
vingança do ato). Necessário que o agente esteja vinculado de maneira irresistível
– daí a razão de se falar em agir “impelido” – ao passo que, para a incidência
da atenuante é necessário apenas a existência do relevante valor, sem que seja
um estado mais contundente e inafastável. Não se comunica aos eventuais autores
e partícipes, segundo o art. 30 do CPB.
·
Rompante de ciúme: não constitui uma variável definitiva a
categorizar o crime como privilegiado (por exemplo, excesso de zelo, amor,
cuidado, carinho) ou qualificado (ciúme dito egoístico).
·
Homicídio
privilegiado-qualificado: concurso
possível entre privilégio (subjetivo) e qualificadoras
objetivas (meios executórios), tendo em vista o caráter de eticidade
que exclui a concomitância de valores e anti-valores (ou seja, privilégio e
qualificadoras subjetivas). PRECEDENTES
NO STJ: Não incompatibilidade na coexistência de circunstâncias que qualificam
o homicídio e as que o tornam privilegiado. - O reconhecimento pelo Tribunal do
Júri de que o paciente agiu sob o domínio de violenta emoção com surpresa para
a vítima não é contraditório, tendo em vista que as circunstâncias
privilegiadoras, de natureza subjetiva, e qualificadoras, de natureza objetiva,
podem concorrer no mesmo fato-homicídio”. (REsp 326118 / MS
Ministro VICENTE LEAL SEXTA TURMA - 14/05/2002)
·
Não é considerado hediondo (precedentes no STJ e TJDFT). HC 23408/MT, 6ª Turma, Min. Hamilton Carvalhido (STJ), por “por
incompatibilidade axiológica e por falta de previsão legal” (ex vi HC 153728 / SP). Vide parte do relatório vencedor, que
buscou o precedente no REsp 180.694-PR (julgado
em 02/02/99), in verbis: “A Lei nº 8.072/90 alterada pela Lei nº
8.930/94, em seu art. 1°, considerou como hediondo, entre outros, o delito de
homicídio qualificado, consumado ou tentado. Não faz nenhuma referência à
hipótese do homicídioqualificado-privilegiado. A extensão, aqui, viola o
principio da reserva legal, previsto entre nós tanto na Carta Magna como em
regra infra-constuciona1 (v. g., art. 5º, inciso XXXIX da Lex Maxima e art. 1°
do C.P.). E, por óbvio, que tal regra basilar se aplica, também, à fase de
execução da pena visto que esta sem execução seria algo meramente teórico ...
sem sentido (v. g. Nilo Batista in “Introdução Crítica ao Direito Penal
Brasileiro”, REVAN, p. 68 e Sainz Cantero in “Lecciones de Derecho Penal”, 3ª ed.,
Bosch, p. 333). A afirmação da que o homicídio privilegiado não é figura típica
refoge á melhor posição na dogmática jurídico-penal. Decorre, em verdade, de
interpretação gramatical dos dispositivos (ou da formulação de nomen iures) do
C. P. É tipo derivado colocado na mesma categoria dos qualificados (v. “Lições
de Direito Penal” de H. C. Fragoso , Parte Geral). Assim, também, o furto
privilegiado, o estelionato privilegiado, etc. Não é, vale dizer, mera (tão só)
minorante (causa legal de diminuição de pena) tal como se vê dos arts. 26,
parágrafo único, 21, caput, 2ª parte ou, ainda, 16, etc. O efeito é de
minorante (causa específica, agregada) mas a figura típica existe. Nesta linha,
de exclusão do homicídio qualificado-privilegiado como hediondo, tem-se as
ensinanças de Alberto Silva Franco, Damásio E. de Jesus e Assis Toledo (in
“Leis Penais Especiais e sua Interpretação Jurisprudencial”, vol. 2, 6ª ed., p.
575), in verbis: “Resta, ainda, enfocar a hipótese do homicídio
qualificado-privilegiado. Damásio Evangelista de Jesus, com inteira
propriedade, no seu artigo “O Homicídio, Crime Hediondo”, in “boletim do
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais”, nº 22, de outubro de 1994, excluiu
tal hipótese da categoria de crime hediondo: “se, no caso concreto, são
reconhecidas ao mesmo tempo uma circunstância do privilégio e outra da forma
qualificada do homicídio, de natureza objetiva, aquela sobrepõe-se a esta, uma
vez que o motivo determinante do crime tem preferência sobre a outra. De forma
que, para efeito de qualificação legal do crime, o reconhecimento do privilegio
descaracteriza o homicídio qualificado. Assim, quando o inciso I do artigo 1º
da Lei n. 8.072/90 menciona o “homicídio qualificado” refere-se somente à forma
genuinamente qualificada. Não ao homicídio qualificado-privilegiado. Tanto que,
entre parênteses, indica os incisos I a V do § 2° do art. 121. Suponha-se um
homicídio eutanásico cometido mediante propinação de veneno, ou que o pai mate,
de emboscada, o estuprador da filha. Reconhecida a forma híbrida, não será
fácil a tarefa de sustentar a hediondez do crime. Como disse o Ministro Asis
Toledo, do STJ, “seria verdadeira monstruosidade essa figura: um crime hediondo
cometido por motivo de relevante valor moral ou social. Seria uma contradictio
in terminis ” Há, ainda, aspecto que reputo relevante. O menor desvalor de ação
(na linha de Bacigalugo, Welzel, Zielinski e outros) do privilegiado, aliás, ex
vi legis, acentuada redução, afeta, em essência, o acentuado desvalor de ação
do qualificado. Isto, do cotejo entre o valor negativo de ação do tipo
qualificado e o do privilegiado, com grande destaque no homicídio, revela que o
homicídio qualificado-privilegiado
está abaixo do patamar fixado em lei para o
delito hediondo (a lei diz: consumado ou tentado ). A inclusão da conatus, por
outro lado, no rol, se justifica por sua característica de peculiar
incongruência por excesso subjetivo (S. Mir Puig) ou de problema de congruência
(R. Maurach ) porquanto o menor desvalor do resultado decorre, aí, de circunstância
alheia à vontade do agente. Na forma privilegiada, o réu age por motivo ou
situação anímica de grande redução no desvalor de ação. Já, as minorantes não
específicas (genéricas) são conseqüências de hipóteses extra-típicas, escapando
à vexata quaestio . Por fim, se as situações estabelecidas no § 1°, em outros
delitos hediondos, só podem produzir o efeito de atenuantes, deixando intactos
os tipos, tal resulta de posicionamento axiológico adotado pelo sistema”. Outros precedentes: "HABEAS CORPUS . DIREITO PENAL.
"HOMICÍDIO QUALIFICADO-PRIVILEGIADO". REGIME PRISIONAL.
PROGRESSIVIDADE NO CUMPRIMENTO DA PENA.POSSIBILIDADE. REGIME INICIAL
SEMI-ABERTO. DEFERIMENTO. 1. O "homicídio qualificado-privilegiado" é
estranho ao elenco dos crimes hediondos. 2. Em se cuidando de pena superior a 4
anos e inferior a 8 anos de reclusão, autoriza a lei penal o deferimento do
regime semi-aberto ao réu não reincidente, que deve ser estabelecido, se
favoráveis as circunstâncias judiciais e se trata de homicídio privilegiado. 3.
Ordem concedida." (HC 23.408/MT, 6ª turma,
Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJU de 01/03/2004). "HABEAS CORPUS . PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO
QUALIFICADO-PRIVILEGIADO. CRIME HEDIONDO.PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL.
POSSIBILIDADE. "Se a Lei nº 8.072/90, que elenca os crimes hediondos, não
faz qualquer alusão à hipótese do homicídio qualificado-privilegiado, possível
é a progressão de regime". Precedentes desta Corte Ordem concedida."
(HC 23.973/MS, 5ª Turma, Rel. Min. José Arnaldo da
Fonseca, DJU de 11/11/2002). "PROCESSUAL
PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO-PRIVILEGIADO. REGIME PRISIONAL. CRIME HEDIONDO. 1.
Ante a inexistência de previsão legal, bem como o menor desvalor da conduta em
comparação ao homicídio qualificado, consumado ou tentado, o homicídio qualificado-privilegiado
não pode ser considerado como crime hediondo. Precedente. 2. Pedido de Habeas
Corpus deferido, para reconhecer ao paciente o direito à progressão do regime
prisional." (HC 13.001/SP, 5ª Turma,
Rel. Min. Edson Vidigal, DJU de 09/10/2000).
3. Alguns
exercícios de fixação em relação aos pontos:
3.1. Em
relação ao crime de HOMICÍDIO, julgue os itens a seguir em V ou F:
a) considera-se
início da vida extrauterina o momento do parto.
b) tem-se
como objeto material a pessoa cuja vida foi exterminada.
c) o
dolo eventual é incompatível com a qualificadora de motivo torpe.
d) para
fins de tipificação como homicídio privilegiado, considera-se a mera influência
de um estado de ânimo ou excitação.
e) a
figura do homicídio qualificado-privilegiado encontra-se presente no rol
descrito na lei de crimes hediondos (Lei 8.072/90).
3.2.Em relação ao homicídio,
assinale a opção correta:
a)
Trata-se de crime comum, material, de perigo.
b)
A modalidade simples prevista no caput não constitui crime
hediondo.
c)
Para fins penais considera-se a morte no momento da
cessação das atividades cardíacas.
d)
O objeto material é a vida.
3.3. Em
relação ao homicídio, assinale a opção correta:
a)
O dolo eventual é incompatível com qualificadora
relacionada a motivo torpe.
b)
O ciúme egoístico, baseado no puro sentimento de posse,
pode ser considerado motivação fútil ou torpe, independentemente do caso
concreto.
c)
Configura a hipótese de homicídio privilegiado quando o
sujeito está dominado pela excitação dos sentimentos, e não apenas
influenciado.
d)
Considera-se violenta emoção quando a agressão verbal
provocada pela vítima é feita reiteradamente, durante grande período de tempo,
em relação ao ofensor.
[1] Sustenta Magalhães Noronha
a clássica distinção semântica entre poder e dever, pensamento bem razoável
para sua época. A essa literalidade prefiro, contudo, encarar a expressão
“poder” em seu sentido de “poder-dever”, prestigiando, assim, a tutela de
direitos subjetivos que um Direito Penal garantista atribui como comando
interpretativo ao aplicador ou à aplicadora da lei. Com isso, a faculdade
estaria restrita apenas ao quantitativo da redução, e não à possibilidade de
redução da pena.
[2] Importante diferenciar
motivo de dolo, tendo em vista que esse último relaciona-se à justificativa que
embasa o conteúdo de vontade a desencadear o comportamento humano rumo à
consecução, no mundo físico, do tipo penal (o desiderato de “matar”). Já o
motivo é a razão que impele o agir, ou seja, o que está por trás da
intencionalidade dirigida ao objetivo, bem diferente de dolo.
[3] Embora Nucci reconheça a
necessidade de ponderação no reconhecimento de privilégio, para não se
banalizar, como diz, “a eliminação da vida alheia” (2012, p. 631), entendo
infeliz qualquer exemplo que relativize a tutela da vida – mormente sob a
bandeira da eugenia relacionada às drogas – por entender que o tema é bem mais
complexo do que a pretensão do Direito Penal em deflagrar bandeiras pedagógicas
contra o crime e a criminalidade.
[4] Eutanásia é o auxílio
médico para fazer eclodir a morte de um paciente que já se encontra em uma
situação prolongada de intenso sofrimento.
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