segunda-feira, 4 de novembro de 2013

To be(agle) or not to be(agle), that's the question


Vou começar esse artigo de opinião anexando o filme EARTHLINGS (narrado pelo ator e ativista Joaquim Phoenix), que aborda o tema "especismo", que vejo como eixo central e fundamento para a conversa sobre o direito dos animais. 

O tema é amplo e complexo, não pode ser esgotado aqui, mas acredito ser vital construído a partir do confronto com os modelos e pressupostos "clássicos" de ciência e conhecimento. Meu argumento inicial consiste em avaliar como inadequada a vida especista para debater o esquadrinhamento dos chamados direitos dos animais. Em outra postagem abordarei as implicações no ramo do Direito em se adotar outro paradigma.

A chamada "polêmica dos beagles" foi um assunto que povoou as manchetes dos jornais nas últimas semanas, chamando a atenção para uma antiga discussão bioética, qual seja, o reconhecimento dos "direitos dos animais" em contraponto ao vetor em torno do qual se construiu epistêmica e normativamente um eixo de proteção: ser humano. 

Importante considerar como pressuposto dessa pequena postagem a elaboração epistêmica  fincada em um predominante enfoque antropocêntrico (predominantemente a partir do séc. XVII, século das "luzes") que, por óbvio setoriza o humano como epicentro de todo o compromisso jurídico e político a desencadear leis de tutela de direitos fundamentais. 

Com isso, toda a literatura jurídica que dá suporte à construção de argumentos e raciocínios no âmbito da doutrina (fonte de Direito), bem como a atividade política que o Poder Judiciário exerce em nível de declaração e aplicação de direitos, perfilham um paradigma antropocêntrico e, com isso, produzem conhecimento e decisões com base nessa peculiar forma de exclusão ética de espécies. 

O próprio pós-guerra marca bem isso a partir do momento em que a ONU aglutina um eixo normativo dos chamados "direitos humanos" na carta planetária denominada Declaração dos Direitos Humanos, elaborada em resposta ao genocídio travado na Segunda Guerra em relação ao povo judeu. Tudo girando em torno da temática "ser humano". 

O pós-queda do Muro de Berlim, bem como o impacto que uma iminente crise global de alimentação tem trazido, acrescidos do avanço em pesquisas a respeito das implicações do tratamento cruel dado aos animais em abate, contudo, têm trazido fecundas reflexões a respeito do tema. 

Demais disso, o trabalho engendrado por organizações como a WWF, o PETA e o GREENPEACE (em âmbito mundial) igualmente formulam políticas de base numa conscientização a respeito do alojamento e reconhecimento da importância de outras espécies para o ser humano. 

Em nível doutrinário e científico, pensamentos como de Edgar Morin, Maturana e Varela, Capra e Vandana Shiva catalisam rupturas drásticas à noção de apartação do ser humano em relação à Natureza, a partir do conceito de "vida em teia", que pressupõe redes de implicação mútuas de convívio em coexistência no habitat, conceitos anos-luz distantes do Direito enquanto sistema cadavérico com mais de 240 anos de antropocentrismo... Nesse sentido até mesmo nossa querida lei de crimes ambientais já nasce morta, por não contemplar essa mudança avassaladora pela qual as formas de concepção e de pensamento provocam transformações no mundo.

O assunto, porém, não é recente, pois a corrente ecofeminista - sobretudo a vertente encampada por Vandana Shiva, física indiana e ativista ecoambiental - já denunciara os desmandos do que vinha a ser uma total ausência de compromisso, por parte do humano - com as demais espécies do planeta. 

Foi, porém, a partir da obra de Peter Singer que o conceito de especismo passou a ser incluído como pauta das agendas de ambientalistas que iniciaram uma nova vertente de discussão, qual seja, o rompimento da noção antropocêntrica de não reconhecimento de outras espécies (conceito de especismo). Rompe-se, então, a partir daí, o paradigma epistêmico (ou seja, de produção do conhecimento e da ciência) para se permitir incluir no alargamento da ideia de igualdade o respeito aos animais.

Com isso e em linhas bem tênues, a "demanda dos beagles" deu origem à toda sorte de discussões, todas, ao meu ver, contextualizadas de maneira inadequada a apreciar a questão, porque balizadas em um paradigma científico antropocêntrico e especista, imprestável para se elaborar um debate sobre "direito dos animais". 

De acordo com o especismo, os animais são abordados e tratados para a satisfação dos interesses humanos (ciência, deleite, necessidade alimentar etc.), dentro de um modelo que aloja a Natureza para um plano de submissão (ideia lockeana de usufruir do fruto do trabalho como forma de apropriação). Em tal contexto muito pouco pode ser discutido, tendo em vista que o modelo segue a prioridade de se subsumirem os animais ao alvedrio dos chamados interesses humanos.

Falar nos beagles, portanto, dentro do especismo - to be(agle) or not not be(agle) - torna-se inviável em termos epistemológicos, uma vez que o centro de aglutinação de interesses é o ser humano. Mas a partir do momento em que se rompe a ideia de supremacia do humano para se trabalhar com a ideia de vida em rede, tomada em escala planetária de preocupação com um ambiente comum, podemos começar a falar em direitos dos beagles. 

Direitos de sujeitos tão importantes quanto o ser humano, mas que em função da primazia dada a quem se alojou no planeta às custas de toda uma destruição ambiental, foram alijados para o submundo de um laboratório qualquer...

Pelos direitos dos animais já!

Pelo fim do especismo!!

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