sábado, 21 de agosto de 2010

Direito penal, finalismo e globalização: ventos de mudança

E a teoria finalista da ação, em meio a tanta mudança?

Afinal, por ela, impossível a responsabilização de pessoa jurídica, porque se delineia a partir do conceito de conduta humana, consistente num fazer ou não fazer voluntário e, que, dentro disso, não abrangeria os entes que, a exemplo da pessoa jurídica, não “possuiriam” capacidade de manifestação e execução de vontade.

Tal pensamento – e, portanto, sua conversão em uma teoria penal para responsabilização de condutas – adveio no cenário da fecunda década de 40, consolidada em um momento muito diferente do que percebe no séc. XXI, uma vez que, àquela época, ainda surgia incipiente o nascente “boom” no desenvolvimento humano, tecnológico, político, social e cultural.

Em termos de sistemas jurídicos – e, mais especificamente, em termos de direito penal – o século passado ainda colocava obstáculos para o intérprete e aplicador da lei penal em relação a observar a dogmática jurídica como sendo o único pilar de sustentação das regras de imputação, tendo em vista nossa tradição romanista de apego à codificação e autonomia do positivismo.

Assim sendo, a ciência penal poderia ser entendida como sinônimo de dogmática penal, nos idos da década de 40, diferentemente do que adveio, no decorrer do tempo, com o desenvolvimento de novos ramos a compor as ciências penais.

A consolidação de novas áreas e novos saberes passou a revelar a necessidade de alargamento das fronteiras da ciência penal, por intermédio da paulatina delimitação da autonomia das expoentes ramificações experimentadas pelo desenvolvimento da criminologia e da política criminal, trazendo a necessidade de mudança epistemológica e metodológica.

Isto porque, o discurso dogmático não seria mais hábil a, sozinho, proceder a uma eficaz resposta para as constantes modificações que realidade cambiante impele às sociedades ocidentais pós-modernas, direcionando-as à busca de novos mecanismos maximizantes do controle social formal punitivo, principalmente em face da prática, cada vez mais percebida, de novos comportamentos, brotando da inventividade humana que, pouco a pouco, na Lei de Gérson, encontra abertura para se realizar.

Dentro de uma realidade instantânea e em latente ebulição, o direito penal, processual penal, bem como a criminologia e a política criminal não poderiam deixar de acompanhar as constantes modificações experimentadas pelo movimento que o mundo passou a experienciar a partir do processo de globalização.

O conceito de globalização – bem como seus efeitos e reflexos – está, assim, intrinsecamente relacionado com as necessárias mudanças no direito penal para o enfrentamento de crimes na pós-modernidade.

“Fenómeno multifacetado com dimensões económicas, sociais, políticas, culturais, religiosas e jurídicas interligadas de modo complexo” – eis a observação de Santos (2002, p. 26) sobre a uma tendência mundial de relativização da soberania, caracterizada pela existência e manutenção de um Estado recuado, voltado para estimular a sociedade civil, articulada numa democracia liberal e no primado do direito e do sistema judicial, sendo esses dois um elo vinculante da globalização política à econômica.

As sociedades ocidentais pós-modernas, dentro disso, direcionariam seus planos diretores para o compromisso com a imanação de ordem, previsibilidade e confiança, assegurando a normatividade e o cumprimento de expectativas sociais, dentre as quais, o controle de riscos no âmbito penal.

A globalização – em suas várias dimensões – trouxe um pulsar novo para o direito penal, sendo precursora do que se entende como uma vaga funcionalista de intervenção penal, que se volta para o alcance de estabilização de normas e concretização de metas definidas por um modelo programático de multiplicidade de regras (Bicudo, 1998, p. 98).

O direito penal, nesse contexto, perderia sua autonomia epistemológica (e, dentro disso, seu criticado fechamento numa “torre de marfim”), para se identificar com as projeções que lhes são definidas pela política criminal e pela criminologia, pois, alargando-se o campo das ciências sociais para que esses três ramos trabalhem conjugadamente, a otimização do controle punitivo poderia ser possibilitada, ao se enxergar o direito penal como parte de uma estrutura que lhe é imediatamente mais ampla: sua percepção como subsistema social.

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