sábado, 21 de agosto de 2010

Funcionalismo penal a partir da teoria luhmaniana

A idéia de funcionalismo não é recente, pois já nos idos dos anos 80, o sociólogo alemão Niklas Luhmann desenvolveu a compreensão na qual o direito passa a constituir um subsistema autônomo, decodificador da linguagem dos demais – sociais, políticos, econômicos, culturais, gerando, a partir da conjugação de todos eles, um próprio código ordenatório, concomitante aos demais subsistemas componentes da sociedade .

Diferentemente da compreensão de fechamento epistemológico com que a dogmática penal estabeleceu suas regras de imputação nos idos de 40, o que aqui se observa é a ampliação de um campo, para que o direito penal reconheça outros subsistemas e, dentro disso, possa normalizar o sistema do qual todos fazem parte.

Pode, assim, ser delineada a interpretação que a funcionalidade da dogmática jurídico-penal e do direito penal são códigos que ocupam um lugar bem definido no interior do sistema jurídico: conexão efetiva entre “dever-ser” à sua operacionalização, o “ser”. (1980, p. 20-21), em contraposição a uma promessa não cumprida pela direito penal clássico, já que esse não tem minimizado a incidência de comportamentos criminosos.

O direito penal, assim, findaria por se identificar com as projeções que lhes são esquadrinhadas pela com a política criminal, inserido aquele primeiro como subsistema social, motivando, assim, uma mudança paradigmática, que vai função de tutela de bens jurídicos para uma finalidade de controle social punitivo, marcada pela neutralização de quem não se alinha ao papel de componente de uma sociedade complexa de respeito e fidelização à normatividade.

Qual a razão de tamanha mudança? Bem simples: as sociedades pós-modernas não mais se ajustam aos modelos antigos, em virtude do afrouxamento de laços que caracteriza uma sociedade massificada.

Em uma sociedade de massas, não haveria espaço para a percepção integrada de individualidade, mas, antes, para a visualização dos papéis desempenhados pelos indivíduos quanto ao dever de compromisso com uma ordem caracterizada aprioristicamente pela fidelidade ao código operacional representado pelo direito penal.

Segundo Jakobs : "O grau de fidelidade ao direito não é determinado segundo o estado psíquico do sujeito, mas é estabelecido como parâmetro objetivo por meio de uma pretensão dirigida a cada cidadão. Mas, exatamente, em razão desta pretensão se trata de um cidadão, uma pessoa, e não de um indivíduo sem amarras. Quem é culpável não satisfaz a medida aplicável aos cidadãos, é dizer, tem um déficit de fidelidade ao direito" (2003, p. 38).

Ante essa identificação funcional de missões cometidas aos membros do grupo, a finalidade do direito penal necessariamente estaria voltada para a garantia de manutenção do código comunicacional, por meio da observância da norma contida no preceito legal.

Daí necessariamente advir, segundo Jakobs, a destinação reativa do direito em face de um reconhecido adversário, qual seja, aquele que não observa a destinação de seu papel em coletividade, e, insistindo, ameaça à coesão interna.

Neste sentido, o primeiro ajuste interpretativo sobre a proposta funcionalista de Jakobs é a especificidade quanto aos crimes identificados como preponderantes em um panorama de globalização, a exemplo do que acontece no crime organizado, tráfico de drogas, crimes contra o meio ambiente e, no caso específico do presente trabalho, dos crimes correlatos à corrupção, praticados por pessoas jurídicas.

O rol acima descrito bem ilustra a realidade de anonímia nos contatos pessoais, em que se sobreleva a necessidade de substituir a individualização da conduta – eixo central da teoria finalista – para a punição pelo advento do chamado risco proibido, marcado pela exacerbação da conduta tida como ponderável em termos de cumprimento do papel individual.

O não-alinhado é um indivíduo (ou ente) que abandonou o direito , de maneira não meramente incidental, atacando imediatamente o mínimo de segurança cognitiva do comportamento e manifestando sua infidelidade ao direito por meio da conduta, atingindo ou colocando em risco, mediatamente, a segurança dos bens jurídicos.

Por que esse modelo constitui um novo paradigma? E como esse paradigma pode encontrar aceitabilidade no sistema jurídico penal, que se pauta em regras específicas de legalidade? Eis os desafios.

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