sábado, 21 de agosto de 2010

Roxin, Jakobs e a panacéia jurídica da ignorâNCIA sobre teoria dos sistemas...

A perspectiva da construção de uma teoria jurídico-penal hábil a responder aos crimes encontrou no trabalho de Hans Welzel sua consagração, a partir da consolidação da denominada teoria finalista, que toma como base de estruturação o querer direcionado consecução de objetivos colimados.

Como observado em linhas anteriores, essa percepção não deixaria espaço para punição de conduta sem que se possa distinguir o conteúdo da voluntas do agente, encerrando, desta feita, um forte componente psicológico na percepção do delito, ao se direcionar a produção de resultado ao comportamento tendente a alcançar o fim constituído no plano da vontade do sujeito ativo do delito (PRADO, 2000, p. 196).

Em uma proposta de mudança paradigmática, acrescentam-se ao presente esboço analítico os modelos funcionalistas propostos por Claus Roxin (modelo funcionalista aberto) e Günter Jakobs (modelo funcionalista fechado), esteados na percepção sistêmica do Direito Penal.

Claus Roxin, precursor da teoria personalista da ação, relaciona a ação ao estado anímico do agente, concebendo a mesma como uma categoria prévia, imediatamente à percepção jurídica, inserindo o elemento político-criminal na articulação da identificação do delito, uma vez que considera o direito penal como um subsistema teleologicamente direcionado à prevenção.

O autor trabalha, assim, com a unificação sistemática entre a política criminal e o direito penal, onde aquela se identifica com os fins da pena, fundamentando-se na culpabilidade a razão de ser punitiva em face do autor do delito, ante o reconhecimento, in concreto, do binômio culpabilidade/inevitabilidade da resposta penal.

É o que aponta, ao comentar: "Em última instância, a utilização do conceito de bem jurídico na definição dos fins da pena dada pelo PA quer expressar, ainda, um ulterior princípio pragmático político-criminal, a saber: a tese de que não se trata de censura moral a uma conduta, mas apenas a da sua qualidade de factor perturbador da ordem pacífica externa – cujos elementos de garantia se denominam bens jurídicos – que pode acarretar a imposição de penas estatais." (ROXIN, 1998, p. 60)

De outro lado, Jakobs embasa sua teoria sistêmica em uma matriz funcionalista-sociológica, embasada nos trabalhos de Luhmann, sustentando que o jurista não tem como dominar o problema das conseqüências de sua decisão – dada a natureza da imprevisibilidade e mutabilidade do mundo e da realidade – sendo necessário um elemento integrador e estabilizador da norma.

Assim, Jakobs concebe o direito penal como instrumento de proteção das normas penais, cumprindo a pena a missão de confirmar a vigência da expectativa da norma defraudada pelo autor (BICUDO, 1998, p. 105). A violação da norma é vislumbrada como um fato disfuncional, na medida em que protege a confiança institucional no sistema e a segurança dos cidadãos, como instrumento de política criminal vigente em determinada sociedade.

Mais críticas são feitas a tais teorias, na medida em que, de um lado, a clássica teoria finalista, de cunho volitivo, não seria capaz de suportar as vicissitudes de uma realidade tão articulada em termos de sujeição ativa, a exemplo do que se aqui em relação à corrupção praticada por entes personalizados.

As teorias funcionalistas representariam, dentro do desespero da impunidade, uma nova interpretação acerca dos fins a que se destina o direito penal, atribuindo à atividade do intérprete um forte conteúdo político-criminal, apanágio da colaboração que a criminologia empresta à dogmática jurídico-penal.

Resta, contudo, observar os limites de abrangência que tais teorias apontam, na medida em que estejam colacionados direitos fundamentais esquadrinhados ao longo das histórias de luta do homem enquanto sujeito producente de cultura jurídica.

A proposta funcionalista encontra coerência na articulação feita entre postulados teóricos (de natureza jurídico-positiva, abstrata e transcendente, fomentando a corrupção em cascata no Brasil) e diretrizes de ação (de cunho predominantemente pragmático), na medida em que encara o direito penal como um subsistema componente de uma estrutura ainda mais abrangente em termos sociais.

Não residiria, pois, problema algum nesta percepção, já que seria condizente com a modificação paradigmática que a globalização impôs ao mundo pós-moderno, onde os subsistemas comunicam-se entre si.

Assim, o modelo funcional-estruturalista proposto em linhas anteriores, no qual o sistema internacional pode ser apreciado em termos de adequação, já traria em seu bojo a probabilidade de superveniência de fatores possíveis e prováveis – a exemplo do enfrentamento da corrupção praticada por pessoas jurídicas – tidos como normais ante o comportamento interno do sistema variar.

Eis, pois, a chave para o entendimento acerca da avaliação de estratégias e mecanismo para o controle do terrorismo, na medida em que este passa a ser fato esperado em termos de funcionamento sistêmico.

Poderia trazer, contudo, a preocupação relacionada à contra-resposta à corrupção, principalmente ao ser apreciar, em termos qualitativos, a atuação de países como os Estados Unidos, onde esse funcionalismo, em sede de pragmatismo, pode sobrepor à necessidade de alcance de um propalado equilíbrio – entropia zero – aviltando, por outro lado, direitos relacionados à dignidade do indivíduo.

Demais disso, um modelo integrado, englobando o direito penal e a política criminal poderia ser nominado “aberto” em termos de reais finalidades, na medida em que o ramo jurídico-positivo não mais se destine ao seu caráter garantista, fragmentário e subsidiário, para abranger uma teleologia estranha à proposta de tutela de bens jurídicos.

Mais além, a demarcação de um novo campo operacional do direito penal, para açambarcar fins outros poderia, de igual maneira, resultar na perda de identidade deste ramo do conhecimento, em detrimento de sua autonomia direcionada à proteção do status libertatis individual. São críticas que orbitam – como não poderia deixar de ser – no antigo paradigma, sendo facilmente rebatidas quando se transpõe a ótica finalista para a compreensão do funcionalismo penal.

A adoção de primados funcional-estruturalistas, envolvendo uma visão integradora da política criminal com o direito penal não se coloca na contramão dos direitos individuais, mas, antes, entende que é necessária uma ponderação sobre predileção de direitos, procurando a harmonização entre os direitos que refletem direitos individuais às necessidades de salvaguarda de direitos sociais, entendendo, assim, que a segurança passa a ocupar lugar numa sociedade de riscos.

Aliás, com muita propriedade é necessário fazer um resgate à dignidade do funcionalismo penal, pois, apesar de ser criticado pelos adeptos do finalismo, a doutrina que mais vocifera a defesa do finalismo não deixa de prestigiar algumas pérolas do funcionalismo, apropriando-se de parte de sua doutrina (numa apropriação leviana, dentro da qual o que é proveitoso para o direito finalista é usado; o que é desprestigiado é relegado a segundo plano).

Assim, não seria prepotente lembrar que os princípios da intervenção mínima, adequação social, insignificância e lesividade, longe de serem uma criação mágica do finalismo, são resultados de intensa pesquisa e construção da doutrina alemã datada da década de 80 (principalmente por parte dos mencionados teóricos), vindo, assim, a colorir ainda mais a certeza de estarmos em pleno movimento de ímpar transição paradigmática.

Sem deixar de mencionar a orientação cada vez mais crescente – porém ainda tímida em relação à responsabilização penal da pessoa jurídica – do Superior Tribunal de Justiça, que não poupa esforços em, pouco a pouco, usar o paradigma funcionalista para a resolução de celeumas que esbarram naquela Corte.

Seria, portanto, o reconhecimento da mutação vindoura, mas que irritantemente desagrada quem ainda sustenta o caduco finalismo, que não mais detém a menor condição de sustentar regras de imputação baseadas no incremento de risco que as pessoas jurídicas oferecem à Administração Pública.

Um julgado de 2007 pode ilustrar muito bem essa percepção sobre a mudança vetorial. O julgamento se deu em 06 de junho de 2007, no âmbito de um Recurso Especial (REsp 822571/DF) em que o recorrente apontava negativa de vigência (exatamente) ao caput do art. 13 do Código Penal Brasileiro, argumentando no sentido da impossibilidade de se imputar ao recorrente a responsabilidade pela morte da vítima, sob o argumento de ter agido dentro do que a doutrina moderna denomina de "risco permitido". O Relator foi o Ministro Gilson Dipp e o recurso foi parcialmente provido .

A pesquisa não se direciona para a discussão do conteúdo do julgado, mas, em harmonia com os objetivos firmados, é possível especular (ainda que provisoriamente, pois a discussão gira em torno de um paradigma exsurgente, o funcionalismo) o enfrentamento do tema pelos tribunais superiores, o que já satisfaz a pretensão do trabalho.

Diante de todo o percurso até aqui realizado, algumas reflexões ficam para eternização. Primeiro, o presente ensaio reflexivo não esgotou o tema, pois não era esse o objetivo.

Ao contrário, voltou-se para a proposição de um novo olhar sobre a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, ao revelar que nosso ordenamento jurídico já contempla uma mutação paradigmática, a partir do art. 225, §3° da Constituição Federal do Brasil, que poderá servir para o redimensionamento do art. 13 do Código Penal Brasileiro.

Posteriormente, situou tal abertura constitucional num processo globalizante, que demanda uma superação do enfrentamento no mesmo paradigma, apresentando um enfoque interdisciplinar, envolvendo o direito penal, a criminologia e a política criminal, em harmonia com a necessidade de superação do paradigma finalista criado na década de 40.

Apontou-se, com isso, a consolidação de novas áreas e novos saberes, exigindo, assim, o alargamento da ciência penal, para o advento de uma eficaz resposta para a busca de novos mecanismos maximizantes do controle social formal punitivo.

Mais adiante foi apresentado o modelo funcionalista, representado pelo pensamento do sociólogo alemão Niklas Luhmann que desenvolveu a compreensão do direito como subsistema autônomo, que reconhece os demais e os normaliza, exercendo, assim, uma função de controle social punitivo, marcada pela neutralização de quem não se alinha ao papel de componente de uma sociedade complexa de respeito e fidelização à normatividade.

O funcionalismo foi apresentado como contraponto ao paradigma finalista, em consonância com a movimentação mundial fortemente marcada por sociedades pós-modernas, pós-industriais, cuja aferição de lesividade passa a ser delineada em função de processos cognitivos, e não mais pura e simplesmente em termos de mera vontade.

Para tanto, foi exposta a superação de um modelo que segregava mente e corpo (portanto, cognição e vontade), para se conceber tal como processo interligado, e não apenas como domínios ou coisas distintas.

Permitiu-se, assim, a abertura para a releitura de causalidade na imputação, prestigiando-se a desconsideração do indivíduo como parâmetro para uma percepção sistêmica, para ser redimensionado como unidade orgânica definida em termos de estrutura componente de um sistema, sendo o mesmo o foco cognitivo de onde parte a percepção de sua realidade construída, na medida em que se prostra como observador e construtor operacional da realidade circundante.

Nesse pensamento, a compreensão de vida, vontade e cognição, puderam ser igualmente redirecionadas para o conceito de atividade cognitiva, de modo a concentrar na comunicação e nos códigos lingüísticos a essência da montagem e da articulação de uma estrutura de rede que permitiria, portanto, a imputação de responsabilidade a um ente.

Apontou-se, dentro de tal compreensão, a total adequação da Constituição de 1988 ao funcionalismo, pela incorporação do art. 225, §3°, punindo penalmente as pessoas jurídicas que ocasionem lesão ao meio ambiente.

Tal dispositivo foi interpretado como sendo o divisor de águas, consolidando, assim, a mudança paradigmática que agregou ao texto uma nova possibilidade de leitura das regras de imputação penal, a partir da percepção de risco. Seguindo essa orientação, apontou-se a possibilidade de harmonização do art. 13 do Código Penal Brasileiro às novas exigências delimitadas pela Constituição, texto que recepcionou o antigo e obsoleto Código Penal de 1940.

Foram contrapostos os modelos finalista e funcionalista, apresentando-se os pensamentos e as diferenças entre as doutrinas de Jakobs e Roxin para, a partir da aí, ser feito um cotejo com a antiga percepção do direito penal clássico intervencionista, que se apropriou, contudo, em seu discurso, de alguns postulados funcionalistas.

Foi apresentada, a título de ilustração, a movimentação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça em torno da aceitação, com reservas, da teoria funcionalista, o que corroborou, mais uma vez, para se concluir pela inadequação do paradigma funcionalista para o enfrentamento de uma criminalidade que se volta para a prática de corrupção, prevalecendo-se de uma estrutura organizada.

Não objetivei aqui exaurimento do problema, porque ainda existe a necessidade de maior debruçamento sobre o tema.

O que basta, por agora, como uma proposta – que foi cumprida em decorrência da finalidade do trabalho – é a certeza de se assumir uma postura de assunção da mudança, para se possibilitar, pouco a pouco, a criação de uma doutrina penal que possa compor a exigência de efetivação de um corpo teórico que sustente, mais adiante, a responsabilização irrestrita da pessoa jurídica. Quem sabe, assim, a Lei de Gérson faça parte apenas de um passado distante em nossa trajetória de vantagens e corrupção.

O que usei como referência? Afinal, nnum mundo jurídico onde SÓ se copia de um bando de papagaio de pirata, importante dizer de onde surgiu a verve crítica, e não o crtl c. Aí vão:

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