segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Falando sério sobre direitos humanos...

A apresentação do tema “direitos humanos” não esgota o tema, muito menos pretende ser A MANEIRA UNÍVOCA de focar o assunto: antes, trata-se de um paradigma de enfoque, uma lente que se coloca à disposição do observador para contemplar o mundo!

Isso não a torna menos ou mais científica, menos ou mais rigorosa, ou, ainda, menos ou mais séria do que a “ciência” que “se proclama correta”, porque, no fundo, a ciência que se diz inexorável e excludente das demais pode representar um mero e arbitrário exercício de poder: um cidadão fala e outros, sem avaliar, pensar, refletir ou criticar, apenas aceitam.

Isso não é ciência, é fanatismo. Por certo não será o caminho que desejo compartilhar.

Ao invés de revelar “A” fórmula mágica para definir, conceituar e catalogar “direitos humanos” gosto de dialogar com a ideia, percepção e, sobretudo, vivência sobre direitos humanos, a partir da idéia de paradigma.

Ou seja, longe de representar uma fórmula fechada, inquestionável e inexorável, um paradigma representa uma proposta, nada mais que isso. O que torna um pensamento, uma doutrina, uma teoria ou hipótese um paradigma?

Importante responder a tal indagação, já que a proposta de mudança aqui é revelada e anunciada como sendo paradigmática. Um paradigma surge como uma ideia consensuada por uma comunidade - quer seja científica e acadêmica - uma resposta possível para explicação de um fenômeno, não constituindo um modelo fechado de induvidosa certeza.

Uma revolução científica viria a existir, para Thomas Kuhn, a partir do momento em que um novo paradigma ocupasse espaço, coexistindo com outro, até que esse não mais fizesse sentido. Mas, até a superação do modelo antigo, os paradigmas coexistiriam, cada qual, em sua proposta descritiva e causal do fenômeno científico, num movimento de repulsa recíproca – já que são antagônicos.

Mas, no caso do estudo de direitos humanos, qual seria o paradigma a ser superado, o qual seria o paradigma emergente?

Penso que a compreensão da amplitude da contextualização dos direitos humanos no panorama mundial, bem como seus reflexos no Brasil e na maneira como cada um ou uma de nós, no dia-a-dia de nossas atividades, passa pela substituição do paradigma isolacionista (no qual me coloco como foco e vetor de toda a expressão de mundo) para a percepção globalizada de apreensão do outro inserto em um ambiente de maior amplitude.

Essa ampliação de cenários, atores e comportamentos, acessível a nós a partir do encurtamento de fronteiras, muito se deve ao fenômeno chamado globalização, complexo em seus contornos, inegável em modificar nossos comportamentos e valores.

Em Globalização e exclusão social: fenômenos de uma nova crise da Modernidade? (1999), Nascimento compreende o processo globalizante à luz da superação da modernidade nos anos 80-90 sob o foco de “dissolução ou o questionamento da racionalidade instrumental e o fechamento das comunidades sobre suas próprias diferenças” (p. 80), razão pela qual depreende da globalização, ou mundialização, como prefere denominar, um fenômeno heterogêneo, que não se esgota numa percepção única do mundo.

Fenómeno multifacetado com dimensões económicas, sociais, políticas, culturais, religiosas e jurídicas interligadas de modo complexo” – eis a observação de Santos (2002, p. 26) sobre a uma tendência mundial de relativização fronteiriça: globalização de hegemonia, homogenia e exclusão? Ou globalização de pluralismos, diversidade e heterogenia? Importante sabermos das implicações contidas em cada esboço de interpretação relacionada ao que é a globalização, pois o tema direitos humanos guarda estreita relação com o fenômeno...

Sposati entende na globalização “um processo de reforço do mecanismo de elitização de um lado e de apartação de outro”, na medida em que se reveste num mecanismo de “horizontalização de valores, perspectivas, éticas” (1997, p. 43), concomitante à lógica de apartação e exclusão social, fomentadas pela preponderância da dominação suscitada por determinados grupos que se alternam no poder.

Daí a importância da compreensão do processo a partir, de um lado, da horizontalização de valores, éticas e perspectivas, o que representa uma compreensão positiva do fenômeno; e de outro, da concretização de uma nova “forma de hierarquização de cidadãos e dominação da elite.” (1999, p. 44)

A globalização – em suas várias dimensões – trouxe um pulsar novo para a compreensão dos direitos humanos, por projetar percepções sobre como se lida com a diferença, ao mesmo tempo em que se discutem – no plano interno e externo – políticas em relação à pluralidade de comportamentos que atingem e lesionam (em sentido amplo), coletividades, grupos e indivíduos, tomados a partir da compreensão do homem como ser titular de plenitude na sua potencialidade de realização.

Por isso, muito antes de começarmos de UM início (por exemplo, definindo, citando, conceituando e catalogando os “direitos humanos”), que parte do modelo ideal de contemplação conceitual do que está abrangido nessa categoria, interessante (des)construir compreensões metodológicas pautadas numa agenda especulativa, bem como a partir da experienciação (que não é meramente a vivência de cada um, mas a essência do que pode se alcançar especulando) do que cerca o tema.

Necessitamos observar o desvendar, a revelação e a desconstrução de valores que se delineiam numa herança eurocêntrica, etnocêntrica e colonialista, que “naturaliza” as diferenças do outro como sendo fruto de uma superioridade, um falso evolucionismo social que, segundo Kant de Lima, trazem valorações do outro apenas a partir do “eu” (2006, p. 23), numa compreensão acrítica da realidade.

Direitos humanos é (sic) para humano direito” - Estava na cidade de Natal na época de propaganda eleitoral e, de súbito, deparei-me com um candidato fazendo essa afirmação, usando um trocadilho que achei muito interessante para provocar discussões e reflexões.

Como sempre, observando sem julgamento aprioristicamente pejorativo (claro, é uma tendência da mente julgadora atribuir predicativos ao sujeito sem, contudo, muitas vezes, acautelar-se em estudar o sujeito) – desmontei meus preconceitos e pré-conceitos, concentrando-me na apreensão do que essa frase significava. Ela é extremamente rica...

Sugeriria começar pela apreensão do conteúdo do que semanticamente está expresso na frase. Pensemos, dentro disso, no que seria a apreensão do que é “um ser humano direito”. Sem elaborar mentalmente muito raciocínio, mas apenas deixando sair o que vem à sua mente, o que poderia ser relacionado ao predicativo “direito” contido na frase?

O que vem à mente quando, de súbito, mencionamos: SER + HUMANO + DIREITO?

Ora, não falamos em globalização e encurtamento de fronteiras? Não são somente as fronteiras naturais, simbólicas que se encurtam, o outro, o diferente, ficou mais próximo. Como eu vejo o outro? Como eu me vejo vendo o outro?

Começa aqui um diálogo a partir de um dimensionamento plurifacetado: expressar o que vem a ser direitos humanos dentro de um enfoque que se ocupa de sua justificativa filosófica (lida, refletida e criticada pela dimensão antropológica, sociológica e política), bem como a abordagem jurídica (nacional e internacional) em relação ao tema.

Uma doutrinadora que se dedica bastante ao estudo dos direitos humanos é Flávia Piovesan, que sempre espelha a preocupação em trazer para um campo de esclarecimento conceitual feito pelo artigo primeiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos: Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação aos outros com espírito de fraternidade.

Achei interessante deixar aqui link contendo uma interessante entrevista a André Deak e João Rodrigues, disponível em http://www.andredeak.com.br/emcrise/entrevistas/entpiovesan.htm.

Nela, a Piovesan contextualiza o tema a partir da exposição do que entende ser a maneira como lidamos, no Brasil, com o assunto.

Aliás, é dela a lembrança sobre a necessidade de redimensionamento do que se concebem como direitos humanos: "No momento em que os seres humanos se tornam supérfluos e descartáveis, no momento em que vige a lógica da destruição, em que cruelmente se abole o valor da pessoa humana, torna-se necessário a reconstrução dos direitos humanos, como paradigma ético de restaurar a lógica do razoável." (PIOVESAN, 2006, p.13) [g.n.]

Lembrando, portanto, do mencionado paradigma...

A pauta de direitos humanos insere-se na proposta de paradigma, ou seja, num modelo proposto como foco ou olhar sobre a realidade, um redimensionamento valorativo em relação ao conjunto de direitos que integram o patrimônio moral, bem como o acervo de dignidade que atribuído a todos os homens e todas as mulheres, em virtude de um estado fático: somos seres dotados de racionalidade para a reflexão e projeção de ideais de respeito, consideração, aceitação e confraternização.

Qual o fundamento ético disso?

Talvez, quem sabe, uma agenda – ou melhor – um deslocamento de valoração – em dois níveis: a) uma compreensão do olhar despojado para a alteridade, a partir do ser (estar), no aqui e agora, situando o sujeito na sua contextualização social, política e cultural (o ser, como ele é, sujeito de direitos, não porque os exerça, mas porque definimos a igualdade enquanto cidadãos e cidadãs da polis; b) um projeto ainda em construção de um modelo cosmogônico de tutela em relação à plenitude do exercício de tais direitos.

Ou, sei lá...são apenas reflexões...

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