segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O cansaço jurídico e o réquiem para os debates sobre o RJ

Hoje acordei muito cansada. Sei que daqui a pouco recuperarei meu fôlego, mas, por agora, queria apenas postar aqui o cansaço, materializado naquele suspiro com o qual nos despojamos da obstinação e, vendo o fluxo, ajoelham-nos e nos prostramos diante de algo maior do que a expressão de nossos próprios egos.

Estou cansada - nesse momento - de argumentar, tentar estabelecer diálogo. Cansei de falar e, por já ter aberto muito a boca e a mente, penso que o derradeiro momento pode-se ser melhor aproveitado em um não falar. Afinal, de que valem as "guerras pela paz"? qual o sentido de "lutar pela paz" se, na luta, toda luta, há conflito?

Paradoxal lutar por paz, ainda mais quando se trata de luta ideólógica, argumentativa, retórica e, sobretudo, egóica. Sim, acredito que estou cansada hoje, apenas por hoje, do meu ego e, achando que ele está disperso nos interlocutores, penso que são eles os monstros autoritários que habitam o universo que diz respeito a mim...

Enquanto o fluxo do mundo comemora uma bandeira hasteada num morro, tal qual uma cópia mal enjambrada do filme estadunidense, fico pensando aqui até que ponto queremos e observamos tudo ao nosso redor com os olhos da aparência... Penso se, por ventua, tenho visto no outro a aparência e, dentro disso, se ajo com o mesmo sentido apartador com que pleito, com sofreguidão, pelo olhar da sociedade para a demanda do tráfico, por achar que ela é mais séria do que um senso midiático impressionista e sensacionalista, que rega nossos lares com pipoca e refrigerante, produzindo a cárie em nossa alma, dia após dia.

A discussão sobre a ocupação no Rio me cansou, pela ignorância travestida em democracia que assoberbadamente veio à lume em intensos e infecundos debates no cyber espaço, que mais parecem monólogos, pois, se de um lado, abrimo-nos para ouvir o outro, o reacionarismo tosco fecha-se para o olhar da alteridade.

Nunca vi e li tanta aberração, tanto pedido lastimoso de "mata, degola", numa miopia que, ao que parece, estabeleceu-se como um senso comum, geralmente emitido por quem, no auge de seu egoísmo e ignorância, permite-se apenas analisar segurança pública como quem escolhe um suco de fruta para matar uma sede, ou, então, com o mesmo crivo com que seleciona uma cueca ou calcinha: na mais profunda leviandade diante da necessária reflexão. Pessoas são importantes, quaisquer que sejam elas. Aliás, não tem o menor sentido até falar em 'quaisquer que sejam' porque pessoas são importantes. São almas...

Falta nesse panis et circensis uma honesta reflexão, que não passa pelo pragmatismo em simplesmente se extirpar alguém, mas pela tomada de consciência em relação ao papel que cabe a cada um e uma de nós na elaboração de um projeto democrático.

Falta-nos sensibilidade de apenas olhar para o lado, não com crivo etnocêntrico de desqualificação do diferente, mas com o reconhecimento da importância que todos e todas nós temos em sociedade pelo simples fato de... sermos humanos e humanas! Isso já deveria bastar, mas, para uma sociedade acéfala, a-crítica, preconceituosa e condicionada, desde o útero materno, com o "chip" do automatismo, pouco espaço comporta para a tomada de um debate honesto...

Importante reafirmar aqui que não se trata de legitimar o tráfico de drogas. Não, não tem sido esse o ponto de argumentação. É a maneira escolhida para se enfrentar um problema cujo vórtice não está no morro, como é cediço e notório. Para quem se debruça, estuda de verdade o tema, é sabido que o tráfico segue uma logística de célula e hidra.

Um eixo de poder no topo, inacessível para os demais ocupantes da cadeia que, em escala exponencial, reproduz-se, em larga escala, toda vez que um dos braços é extirpado. Ou seja, no "esquema" ou na carreira "profissional" do tráfico, quem está no Morro, ocupando uma posição de "chefe" de boca nunca foi ou será o cabeça da organização...

Por isso, seguindo farta análise de criminólogos renomados, como Wacquant Baratta, Nilo Batista etc., importante dialogar com a ideia de criminalização e repressão da pobreza, já que se trata do que é visível e punível em termos desse tipo, em especial, de criminalidade. A criminalidade do colarinho branco, ou seja, a que encabeça a hidra central do movimento, essa, por certo, ficou de fora das operações realizadas no Rio, por motivos bem óbvios: não estavam lá no Morro. Talvez estejam bem mais perto de mim - de nós - do que supomos. Mas, de tanta invencibilidade, ela passa incólume aos olhos da mídia...e de todos e todas porque desejamos enxergar o que está preconcebido no tubo da TV.

Toda essa farsa estrutural ainda conta com o pensamento cristalizado - e bem conveniente - daqueles que ora se voltam contra a coexistência de classes - porque não suportam a convivência com o morro -, ora estão acometidos pela síndrome estrutural de vitimização, em virtude de se posicionarem como titulares de bens de consumo que, não acessíveis pela massa alijada de recursos, tenta se municiar de todo o tipo de mecanismo para evitar o acesso...

É o contra-fluxo da percepção de que nós, brasileiros e brasileiras, convivemos numa democracia racial, de classes, grupos ou minorias. Utilizamos o mais perverso sentimento de exclusão para aniquilar a diferença, sob o maniqueísmo de um signo de bondade...

Cansei de postar no facebook, cansei de conversar, porque, realmente, torna-se difícil argumentar ante o preconceito engessado sob a veste de "argumento", principalmente quando se trata de uma classe média alta falando de algo que não sabe, porque insiste em não sair de seu vazio existencial diante da vida, para olhar o outro em horizonte partilhado ao seu.

Volto para o diálogo com meus alunos e alunas, pois, com eles e elas eu aprendo a ouvir mais, a escutar mais, a prestar mais atenção e, sobretudo, aprendo a nutrir em mim mais esperança que dias melhores virão...

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