quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Teoria da pena: que árdua tarefa para uma alma!!!

Um detalhe interessante tem marcado as reflexões sobre teoria da pena. Em vários momentos, indaguei dos alunos e das alunas sobre a ideia embrionária que têm em mente quando falamos em "pena".

Fiquei feliz em saber que, ao final, boa parte dos verbetes colocados no quadro trazem uma pesada e densa carga semântica relacionada à DOR, SOFRIMENTO. Alguns ou algumas pensaram em "justiça", mas, como não falaram, fica o ato falho freudiano: ao final, a concepção que trazemos sobre a sanção penal não se cerca da beleza poética do fracassado jusnaturalismo. Muito menos da robotização do positivismo, mas, antes, agrega o que de pior conseguimos captar como sendo instrumento de suplício.

Depois de pesquisar algumas etimologias, nada me surpreendeu. Seja qual for a etimologia (poena (latim): sofrimento / ponos (grego): dor / punya (sânscrito): purificação), a ideia original de pena está intrinsecamente vinculada à expiação, ao suplício, à dor e à violência, evidenciando a forte influência do direito canônico (de matiz judaico-cristã a expressar culpabilidade) e demais raízes de natureza ético-religiosa.

Estaria ainda presente em nosso universo simbólico (em nossas mentes, práticas e preconceitos?) a vinculação da pena a uma matiz religiosa?

Penso que sim, observando no dia-a-dia das salas de audiência o discurso reproduzido automaticamente por juízes e juízas a respeito do que "é certo" ou "errado" (num binário pífio que, ao final, "engaveta" as pessoas segundo "uma banda do bem" e "uma horda do mal"), bem como, nas várias ocasiões em que, fazendo pesquisa de campo para a tese, observei alguns ou algumas fazendo verdadeiras preleções moralizantes e religiosamente vinculadas a uma ideologia.

Um problema, quando se trata de um ordenamento jurídico que optou por prestigiar a laicidade do Estado, dentro da predileção dos Estados liberais e sociais-democratas que tutelam a DIVERSIDADE. Minha ponderação, dentro disso: estariam os magistrados, as magistradas, os promotores, as promotoras, os advogados e as advogadas atuando segundo uma liturgia que reproduz preconceitos de classe? De credo? De gênero?

Em caso positivo, qual o problema disso? Hehehe, básico: o Estado não pode agir com favoritismos, sob pena de passar por cima das regras básicas por ele mesmo criadas em relação a não agir com arbitrariedade. Claro que isso, num plano do "dever ser", porque, segundo Zaffaroni, no plano ôntico (do ser), tudo isso já existe e inspira a arbitrariedade.

Muito difícil mesmo o despojamento - dentro da aplicação da pena - desses enunciados ético-religiosos, pela própria simbologia que cerca a pena, reproduzida na dureza e na verve sanguinolenta - herança dos nossos ancestrais romanos - que enviou muita gente para o Coliseu e, posteriomente, para a fogueira.

Gosto muito de perceber a pena pelo que ela é, não pelo que ela, em tese, poderia ser. Acho mais honesto, coerente, menos hipócrita e mais "pé no chão". Percebo-a como um instrumento político-criminal de controle social que, segundo Castro, traz um conteúdo designativo da predisposição de estratégias, táticas e forças socialmente engendradas na construção de mecanismos de submissão forçada dos que não interagem com a ideologia dominante, nem se submetem ao consenso reconhecido como legítimo, restando evidente, nesta visão, uma percepção de ordem coativa subjacente à capacidade auto-regulatória (1987, p. 119). Controle social, assim, seria sinônimo de auto-regulação. O direito penal seria APENAS UMA, DENTRE VÁRIAS MODALIDADES DE EXERCÍCIO DE CONTROLE SOCIAL.

O que me causa espanto é acreditar que ele seja - juntamente com a pena - tomado como "tábua de salvação" ou meio ÚNICO de "extirpação" ou "combate" de criminalidade, "meio de RESOLUÇÃO de conflitos": uma utopia! Quando muito, mecanismo de GESTÃO, ADMINISTRAÇÃO, pois os conflitos, grosso modo, nunca trazem uma resolução hábil a representar satisfação plena para todos e todas os envolvidos e envolvidas...

Dentro do direito penal e da criminologia, Dias e Andrade abordam o controle social sob a perspectiva de construção dos mecanismos de resposta da sociedade ao crime, quer seja por meio da criação do deviance manifestada tanto na produção de leis, como na aplicação e estigmatização dos indivíduos, tarefa desempenhada por determinadas instâncias de atuação (1997, p. 365-372).

Tomando por base a riqueza do tema, poderia ser indagada certa inexatidão que a expressão controle social possui, por designar tanto uma imposição de ordem consensual, quanto como um fomento à exclusão e a classificação dos indivíduos em transgressores ou não, passando, outrossim, pela compreensão do controle como instrumento de manutenção de estruturas de justificação e legitimação de uma ordem seletiva, discriminatória e estigmatizante, num contexto de primazia do conflito de base democrática e de respeito aos direitos civis.

Por isso prefiro uma compreensão de controle social punitivo (no caso, direito penal e pena) como auto-regulação social, suscitada e motivada, no âmbito de seus grupos, pela compreensão cidadã de incremento dos pilares de gerenciamento interno das condutas tidas como não desejáveis, admitidas de acordo com a divergência existente entre os interesses desses mesmos grupos, na qual a seletividade, a extirpação, a intolerância e a exclusão cederiam espaço ao convívio de dissensos, afastando da minoria detentora do poder de catalogação, o monopólio da dicção do critério definidor do desvio cometido, para reparti-lo com os demais grupos societários, como expressão cidadã da emancipação reguladora.

Tudo que estiver longe disso (ou seja, nosso direito penal atual, sistema penal e carcerário) apenas reproduz uma ordem jurídica simbólica, estruturadora dos princípios regentes dentro do sistema, servindo como parâmetro legal e legitimado por uma ideologia prevalecente que determina as práticas condizentes com um mecanismo de dominação, bem como aquelas desviantes que dele refogem. Uma MATRIX. Devaneio?

Não, penso que o devaneio, se existe, está no olhar ingênuo com que insistimos em olhar um dever ser que nunca é...

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