segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Tribunal do Júri, Justiça Federal e crimes dolosos contra a vida no caso de genocídio

O genocídio é uma espécie delituosa muito interessante, tendo em vista que traz uma tipologia de sujeito passivo diferenciada em face de etnia, raça e religião (segundo o art. 1o. da Lei 2.889/56).

Já observamos que os crimes dolosos contra a vida são julgados pelo Tribunal do Júri, segundo disposição constitucional expressa numa garantia referendada no art. 5o., XXXVIII. Questão debatida é saber se, diante da natureza sui generis do genocídio como sendo uma estrutura delitiva em face de direitos humanos, quem teria o monopólio de julgamento do crime, diante da redação nova dada pela Emenda 45 ao art. 109, V-A c/c parágrafo 5o. do mesmo artigo?

O que prevalece? A regra constante do art. 109 ou a garantia que expressa a tutela de um direito fundamental?

Vejamos o art. 109:

"V-A - as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo;
(...)
§ 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal."

Bom, e daí?

Daí que num eventual incidente de deslocamento de competência para o Superior Tribunal de Justiça suscitado pelo PGR (discricionariedade) em face da sui generis natureza do bem jurídico tutelado, o STJ já se posicionou no sentido de ser área afeta à Justiça Federal, dada a particularidade do bem jurídico. Resta saber se da competência de um juiz singular ou de um Tribunal. Certamente seria o caso de um Tribunal do Júri Federal!

Ou seja, insisto e bato o martelo na competência do Júri que, no caso, é federalizado, em face da supremacia no art. 5o.

Mas acosto a jurisprudência do STJ em parte do raciocínio...

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL - RECURSO ESPECIAL - CRIMINAL -
CRIME DE GENOCÍDIO CONEXO COM OUTROS DELITOS - COMPETÊNCIA - JUSTIÇA
FEDERAL - JUIZ SINGULAR - ETNIA - ÍNDIOS YANOMAMI - ALÍNEA "A", DO
ART. 1º, DA LEI Nº 2.889/56 C/C ART. 74, PARÁG. 1º, DO CPP E ART.
5º, XXXVIII, DA CF - PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO - CONHECIMENTO -
SENTENÇA MONOCRÁTICA RESTABELECIDA.
1 - Inicialmente, reconhecida extinta a punibilidade de FRANCISCO
ALVES RODRIGUES, em virtude de seu falecimento, conforme certidão de
óbito juntada às fls. 1.807 dos autos (art. 107, I, CP).
2 - Aos réus-recorridos é imputada a perpetração dos delitos de
lavra garimpeira ilegal, contrabando ou descaminho, ocultação de
cadáver, dano, formação de quadrilha ou bando, todos em conexão com
genocídio e associação para o genocídio, na figura da alínea "a", do
art. 1.º da Lei n.º 2.889/56, cometidos contra os índios YANOMAMI,
no chamado "MASSACRE DE HAXIMÚ", que resultou na morte de 12
índios, sendo 01 homem adulto, 02 mulheres, 01 idosa cega, 03 moças
e 05 crianças (entre 01 e 08 anos de idade), bem como em 03 índios
feridos, entre eles, 02 crianças.
3 - Esta Corte, através de seu Órgão Especial, posicionou-se no
sentido de que a violação à determinada norma legal ou dissídio
sobre sua interpretação, não requer, necessariamente, que tal
dispositivo tenha sido expressamente mencionado no v. acórdão do
Tribunal de origem. Cuida-se do chamado prequestionamento implícito
(cf. EREsp nºs 181.682/PE, 144.844/RS e 155.321/SP). Sendo a
hipótese dos autos, afasta-se a aplicabilidade da Súmula 356/STF
para conhecer do recurso, no tocante à suposta infringência aos
arts. 74, parág. 1º, do Código de Processo Penal e 1º, "a", da Lei
nº 2.889/56.
4 - Como bem asseverado pela r. sentença e pelo v. decisum
colegiado, cuida-se, primeiramente, de competência federal,
porquanto deflui do fato de terem sido praticados delitos penais em
detrimento de bens tutelados pela União Federal, envolvendo, no caso
concreto, direitos indígenas, entre eles, o direito maior à própria
vida (art. 109, incisos IV e XI, da Constituição Federal).
Precedente do STF (RE nº 179.485/2-AM). Logo, a esta Corte de
Uniformização sobeja, apenas e tão somente, a análise do crime de
genocídio e a competência para seu julgamento, em face ao art. 74,
parág. 1º, do Código de Processo Penal, tido como violado.
5 - Pratica genocídio quem, intencionalmente, pretende destruir, no
todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso,
cometendo, para tanto, atos como o assassinato de membros do grupo,
dano grave à sua integridade física ou mental, submissão intencional
destes ou, ainda, tome medidas a impedir os nascimentos no seio do
grupo, bem como promova a transferência forçada de menores do grupo
para outro. Inteligência dos arts. 2º da Convenção Contra o
Genocídio, ratificada pelo Decreto nº 30.822/52, c/c 1º, alínea "a",
da Lei nº 2.889/56.
6 - Neste diapasão, no caso sub judice, o bem jurídico tutelado não
é a vida do indivíduo considerado em si mesmo, mas sim a vida em
comum do grupo de homens ou parte deste, ou seja, da comunidade de
povos, mais precisamente, da etnia dos silvícolas integrantes da
tribo HAXIMÚ, dos YANOMAMI, localizada em terras férteis para a
lavra garimpeira.
7 - O crime de genocídio têm objetividade jurídica, tipos objetivos
e subjetivos, bem como sujeito passivo, inteiramente distintos
daqueles arrolados como crimes contra a vida. Assim, a idéia de
submeter tal crime ao Tribunal do Júri encontra óbice no próprio
ordenamento processual penal, porquanto não há em seu bojo previsão
para este delito, sendo possível apenas e somente a condenação dos
crimes especificamente nele previstos, não se podendo neles incluir,
desta forma, qualquer crime que haja morte da vítima, ainda que
causada dolosamente. Aplicação dos arts. 5º, inciso XXXVIII, da
Constituição Federal c/c 74, parág. 1º, do Código de Processo Penal.
8 - Recurso conhecido e provido para, reformando o v. aresto a quo,
declarar competente o Juiz Singular Federal para apreciar os delitos
arrolados na denúncia, devendo o Tribunal de origem julgar as
apelações que restaram, naquela oportunidade, prejudicadas, bem como
o pedido de liberdade provisória formulado às fls. 1.823/1.832
destes autos. Decretada extinta a punibilidade em relação ao réu
FRANCISCO ALVES RODRIGUES, nos termos do art. 107, I, do CP, em
razão de seu falecimento.(REsp 222653 / RR - Ministro JORGE SCARTEZZINI - QUINTA TURMA - 2010)

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