terça-feira, 24 de abril de 2012

Pinceladas sobre a prestação pecuniária, inominada e perda de bens e valores

Algumas "pinceladas" sobre as três primeiras modalidades de penas restritivas de direitos. A prestação pecuniária nada mais é do que uma espécie de indenização, uma "reparação civil travestida de sanção criminal" (PRADO, 22012, p. 680). A prova disso reside no fato de a própria lei  (art. 45, §1o) fazer referência à necessidade de abatimento posterior - na esfera cível - do valor que o juiz criminal fixou para a reparação. Isso faz muito sentido, no intuito de evitar o temido bis in idem, pois, grosso modo, trata-se de um fato típico que não pode gerar duplicidade de reparação indenizatória (uma na criminal e outra na cível). 


O Nucci faz um comentário no Código, afirmando que essa modalidade é uma sanção penal que se reveste de caráter de "antecipação de indenização cível" (2012, p. 395). Não concordo com esse posicionamento, por entender que a sanção penal pode - e deve! - abranger uma dimensão de natureza civilista, até mesmo porque essa é uma herança da compositio bárbara, além de estar contemplada em legislações que prestigiam a troca da prisão pela expropriação. 


Em linhas bem práticas, o que isso quer dizer?  Ou seja, qual o efeito da sentença criminal que fixa uma prestação pecuniária?


Simples. Supondo que um juiz da execução (nos lugares em que existe vara especializada de execuções penais. Caso contrário, o juiz da cognição [da condenação] fará isso) fixe o valor de R$37.320,00 em sede de condenação a título de penas restritiva de direitos. 


Daí, posteriormente, se a família da vítima entrar com uma ação de indenização por danos materiais e morais usando a sentença criminal como título, o juiz cível, no caso de fixar, por exemplo, de maneira genérica, um total de R$150.000,00, deverá abater o valor da criminal e, ao final, condenar ao pagamento de R$112.680,00


Se ele não mencionar, na sentença cível, que está fazendo o abatimento, daí, então, deverão ser opostos embargos de declaração para explicitar isso, para que não dê abertura a se pensar que o juiz cível "passou por cima" da condenação criminal e condenou, ele mesmo, no todo, porque, se fizer isso, daí teremos um verdadeiro bis in idem.


Outro ponto bem interessante diz respeito à ordem seguida pelo legislador para o pagamento - à vítima, seus dependentes ou entidade pública ou privada com destinação social - pois se trata de um verdadeiro benefício de ordem, ou seja, uma preferência, em primeiro lugar, para a vítima e, na ausência desta, para seus dependentes ou, ao final, ante à inexistência destes, para uma entidade pública ou privada de destinação pública. O Nucci, em relação à esta substituição, entende que a prestação pecuniária, aqui, perderia seu caráter civil (op. cit. p. 395). Não entendo haver tal desnaturação, porque a essência patrimonial, aqui, é a mesma, mudando apenas o destinatário...


Quanto ao valor, situado entre 1 e 260 salários mínimos, não deve ser indexado no salário mínimo de maneira expressa, por conta da observação constitucional art. 7o, IV, in fine. Como resolver isso/ Simples também, bastando converter em moeda corrente, pois, o que o legislador fez foi estabelecer um critério (salário mínimo) para ser a faixa a se tomada como parâmetro, e não necessariamente O VALOR em si. 


art. 45, §2o fala em prestação de outra natureza, ou seja, tudo aquilo que não pôde ser convertido em dinheiro vivo (o paragrafo anterior). Grosso modo, haveria de ser uma opção para o juiz quando o condenado não tivesse condição de arcar com um gasto em espécie (dindim), podendo fazer isso por outras vias, até mesmo in natura, a exemplo das cestas básicas, medicamentos, mão-de-obra etc. Silenciou em relação ao valor, mas podemos supor que a faixa a ser adotada é a mesma do parágrafo anterior, qual seja, entre 1 e 360 salários mínimos


Para que o magistrado possa fazer o intercâmbio para essa modalidade é necessário que haja o CONSENTIMENTO DO BENEFICIÁRIO, ou seja, a aceitação. Importante aqui observar que não se trata de uma negociação entre ofensor e ofendido, mas a imposição da prestação por parte do Estado, de maneira incisiva e cogente, ante o CONSENTIMENTO de quem é legítimo a receber o benefício, o que não abre qualquer possibilidade de se fazer "barganha" ou negociação entre as partes. Por essa razão eu eu entendo, inclusive, não haver perda de sentido penal na prestação inominada, já que, de fato, o caráter negocial - característico do direito civil - aqui não se faz presente. 


Tanto o Nucci como o Prado - bem como boa parte da doutrina - desconfiam um pouco dessa modalidade, alegando se tratar de uma violação à legalidade. Não tenho essa percepção, até mesmo pelo fato de a lei ter feito menção, no parágrafo anterior, a uma faixa de "pena" que é, a bem da verdade, pecuniária (1 a 360 salários mínimos). 


Não existe violação a legalidade alguma, já que se existe um comando legal estabelecendo limites de pena. Demais disso, o juiz pode fixar o valor consoante os critérios de proporcionalidade, razoabilidade e, sobretudo, individualização, preceitos constitucionais que balizam o raciocínio, bastando que sejam invocados, na sentença, pelo magistrado. 


Acho que a doutrina - e, em certa medida, a jurisprudência - são tímidas em ingressar em uma roupagem mais substancial, de natureza constitucional, para fixar penas e, por conta disso, são receosos em relação a prestigiar essa, que é uma forma bem interessante de produzir um caráter pedagógico, principalmente quando se fala em prestar mão-de-obra ou, ainda, em cesta básica. O medo não pode, ao meu ver, ser maior do que a esperança em se tentar mudar a perspectiva de aplicação de penas que prestigiem o resgate do humano, já que a prisão se mostra, no Brasil, como um depósito de carcaças sem dignidade...


Bom, em relação à perda de bens e valores prevista no art. 45, §3o existem alguns "mitos"a serem desvendados. Sempre é importante lembrar se tratar de pena restritiva de direito, ou seja, do direito de dispor patrimonialmente daquilo que está conecto ao crime praticado. O legislador  impõe UMA das seguintes situações: a) o montante do prejuízo causado; b) o provento obtido pelo agente ou por terceiro pela prática do crime. É uma pena de CONFISCO que se destina ao Fundo Penitenciário Nacional. Algumas pessoas confundem a perda de bens do artigo acima com o efeito administrativo - também chamado efeito secundário da condenação - previsto no art. 91, II, a e b do CPB. Isso porque, no efeito SECUNDÁRIO, o nome já diz tudo: é aplicada uma sanção penal (que pode ser até mesmo de privação de liberdade) SOMADA, ao final, com um comando de natureza administrativa, principalmente se o crime praticado se conecta ao uso de um direito que foi exacerbado pelo agente. 





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