Começando a falar sobre direito de execução penal - prefiro a expressão "penal" à criminal, importante lembrar de que se imbui de uma natureza jurídica complexa, envolvendo conteúdo penal, processual penal e administrativo [natureza híbrida, de ação mútua e compartilhada], que traz como fontes: materiais (produção normativa): União e Unidades Federativas, de acordo com as regras estipuladas na CF/88 (ver art. 24 estabelecendo competência concorrente para a União e os Estados em relação a direito penitenciário, bem como a competência exclusiva em relação a direito penal, de acordo com o art. 22 da CF/88). formais: lei, tratados e atos normativos (imediatas), analogia, princípios gerais do Direito, equidade e costumes (mediata).
Além disso, o direito de execução detém autonomia epistemológica, já sedimentada no X Congresso Penitenciário Internacional (1930 – Praga), inserto no Direito Penitenciário [mas lembrar da hibridização]. Nossa linha de foco segue a Lei 7.210/84 (Lei de Execuções Penais) que, em sua exposição de motivos já demarca a autonomia:
Item 10: "Vencida a crença histórica de que o direito regulador da execução é de índole predominantemente administrativa, deve-se reconhecer, em nome de sua própria autonomia, a impossibilidade de sua inteira submissão aos domínios do Direito Penal e do Direito Processual Penal" (grifou-se). Item 12: "O Projeto reconhece o caráter material de muitas de suas normas. Não sendo, porém, regulamento penitenciário ou estatuto do presidiário, avoca todo o complexo de princípios e regras que delimitam e jurisdicionalizam a execução das medidas de reação criminal. A execução das penas e das medidas de segurança deixa de ser um Livro do Código de Processo para ingressar nos costumes jurídicos do País com autonomia inerente à dignidade de um novo ramo jurídico: o Direito de Execução Penal."
Temos como objetivos da execução penal: Art. 1º da Lei 7.210/84: “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”
Os princípios norteadores da execução penal:
·
legalidade:
CF, art. 5º, XXXIX / garantia de prévia catalogação de medidas
para a execução / previsibilidade / precisão e clareza / vedação à obscuridade.
Ver art. 45. da LEP: “Não haverá falta
nem sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão legal ou regulamentar”.
·
isonomia:
disposições
constitucionais atinentes à espécie: art.
5°, XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com
a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; (...) L - às presidiárias
serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante
o período de amamentação;
·
jurisdicionalidade:
decorrente da
inafastabilidade da jurisdição (art. 5°, XXXV a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a direito).
·
duplo
grau, ampla defesa e contraditório: ideia equivocada em relação ao exaurimento da intervenção judiciária,
por ocasião do exaurimento da cognição, tendo em vista se tratar de tutela de
direitos subjetivos.
·
humanização
da pena: corolário constitucional
presente no art. 5° (XLIX - é assegurado
aos presos o respeito à integridade física e moral), colocando sempre os
agentes do Estado como garantes (art. 13, §2° do CPB).
·
proporcionalidade:
O
postulado da proporcionalidade não se confunde com a ideia de proporção em suas
mais variadas manifestações. Ele se aplica apenas a situações em que há uma relação
de causalidade entre dois elementos empiricamente discerníveis, um meio e
um fim, de tal sorte que se possa proceder aos três exames fundamentais: o da adequação (o meio promove
o fim?), o da necessidade
(dentre os meios disponíveis e igualmente adequados para promover o fim, não há
outro meio menos restritivo do(s) direito(s) fundamentais afetados?) e o da proporcionalidade em sentido estrito
(as vantagens trazidas pela promoção do fim correspondem às desvantagens
provocadas pela adoção do meio?)". (ver ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria
dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 2. ed.
São Paulo: Malheiros, 2003). Assim, em sede de execução penal: os exames feitos
em cada um dos parâmetros: Adequação: a pena adotada é o adequado para a
concretização dos fins almejados? Necessidade: existem outros meios
alternativos (penas) àquela inicialmente adotada e que possam, igualmente,
promover o fim almejado? Proporcionalidade: as vantagens trazidas pela
obtenção do fim são proporcionais às desvantagens decorridas pela adoção do
meio?
·
individualização
da pena: CF, art. 5º, XLVI, art. 59 do CPB / parâmetros para
atribuir a pena / peculiaridades do acusado / cominação, aplicação e execução. Sídio
Rosa de Mesquita Junior (2005, p. 31) que “o princípio da individualização
da pena decorre do princípio da isonomia, eis que este traduz a ideia de que os
desiguais devem ser tratados distintamente, isso na medida de suas diferenças”.
Três dimensões do princípio da individualização: individualização
legislativa: SELEÇÃO de fatos puníveis e cominadas sanções; individualização
judicial: COMINAÇÃO DA PENA
EM ABSTRATO para o indivíduo; individualização executória: gerenciamento
da PENA EM CONCRETO (cumprimento).Individualização da execução segundo a
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. Posição constitucional: ressignificação do
enunciado de “dignidade”, expressando conteúdos relacionados a toda
forma de vida em que se almejem EXPECTATIVAS e NECESSIDADES da pessoa humana.
La aptitud o adquisición
del suficiente poder y capacidad para realizar lo que estamos dispuestos
previamente a hacer”,
de acordo com as seguintes dimensões: RECONHECIMENTO – RESPEITO –
RECIPROCIDADE – RESPONSABILIDADE – REDISTRIBUIÇÃO. Voto paradigma: HC
82959/STF.
·
publicidade:
art. 5° XXXIII “todos têm
direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular,
ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob
pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à
segurança da sociedade e do Estado”,
mat. s ressalvando a restrição em face da execução da pena (ex vi art. 198 da
Lei 7.210/84: “É defesa ao integrante dos órgãos da
execução penal, e ao servidor, a divulgação de ocorrência que perturbe a
segurança e a disciplina dos estabelecimentos, bem como exponha o preso à
inconveniente notoriedade, durante o cumprimento da pena”.
O direito de punir e as teorias
legitimadoras da pena:
Compreende-se a pena como instrumento estatal de exercício
de controle social, no intuito de produzir uma gestão regulatória de condutas,
no caso, manifestando parcela de controle social punitivo. Como UMA MODALIDADE
de resposta estatal (controle social), a paz divide espaço com outras
consequências do delito, as chamadas extrapenais, como a responsabilidade civil
e a reparação de danos, objeto de outras políticas públicas de regulação do
crime (preferimos dizer administração).
Fins da pena: modelos político-criminais de legitimação da
pena, que se dividem em:
a) teorias absolutas (retribuição ou da
expiação): Kant (retribuição moral ou ética, relacionada ao injusto) / Hegel
(retribuição lógico-jurídica, em termos de dialética - crime (tese) + pena
(antítese) = restauração jurídica (síntese). Teoria retributiva: apenas reação punitiva ou de mera resposta jurídica (Hegel), ou
seja, responde ao mal constitutivo do delito com outro mal que se impõe ao
autor do delito, sem desconsiderar, contudo, na esteira de Hassemer e Muñoz
Conde, a "expiación" ou
penitência como elemento subjetivo. Críticas:
negligenciam os fatores psicológicos, para se situarem apenas no plano abstrato
e desconsideram a culpabilidade em concreto;
b) teorias relativas
(divididas na prevenção geral e especial ou individual); Teorias preventivas (relativas): a pena não constitui uma mera resposta destituída de finalidade, mas, ao contrário, imbui-se do propósito utilitarista de evitabilidade dos delitos, numa profilaxia criminal marcada pelo aprendizado (recordando ao sujeito as regras), confiança no ordenamento (em termos de ver aplicada a lei), pacificação social. Teoria preventiva geral negativa: refreamento universalista da sociedade, por intermédio da intimidação aos delinqüentes potenciais ou efetivos. Nela, “as pessoas se absterão de cometer delitos pelo temor de serem descobertas e castigadas” (2003, p. 141), constituindo, assim, uma verdadeira coação psicológica de sopesamento dos prós e contras no cometimento de um delito, dentro de um sistema que, segundo o autor em apreço, ofereceria uma justificação legítima da pena, em termos de custo-benefício em face das escolhas do criminoso. Teoria preventiva geral positiva: ratificação da confiança do povo depositada no ordenamento jurídico. Teoria preventiva geral positiva fundamentadora (Hans Welzel, depois, por Niklas Luhmann e Günther Jakobs): o sistema penal constitui uma complexa estrutura em funcionamento, cujo déficit, quanto à operatividade, acarreta a perda da confiança e, por conseqüência, da lealdade do indivíduo ao pacto firmado socialmente. Nesse contexto, cumpre à pena, segundo Hidemberg “demonstrar a efetiva vigência das normas penais, reforçando nos cidadãos fiéis à fé no bom funcionamento do sistema” (2003, p. 148), resguardando, assim, os valores éticos e a submissão individual às normas. Teoria preventiva geral positiva limitadora (Claus Roxin): necessidade de contenção da intervenção do Direito Penal, para situá-lo como última opção de resposta ao delito, em contraponto aos eventuais excessos cometidos em nome da exigibilidade de restabelecimento de lealdade e confiança na lei penal, marca da teoria da prevenção geral positiva fundamentadora. Restaura os postulados essenciais de defesa aos direitos fundamentais individuais, que poderiam restar restringidos ante a necessidade de submissão do indivíduo a um sistema de fidelização. Críticas às teorias preventivas gerais: burlam a culpabilidade, tendo em vista que são compreendidas GENERICAMENTE. Além disso, desconsideram os processos internos e psicológicos pessoais, pois se pautam numa racionalidade homogênea. Teoria preventiva especial: correção, ressocialização ou neutralização individual, de modo a inibir aquele que já delinqüiu em relação ao cometimento de novos delitos. Na prevenção especial positiva, o foco é a ressocialização, enquanto que na prevenção especial negativa, o fim visado é a segregação ou neutralização individual, segundo lição de Hidemberg (2003, p. 154). Críticas às teorias preventivas especiais: periculosidade para o futuro, alocação da função de tutela do direito penal para o reforço de intimidação.
c) teorias
mistas ou unificadoras: Teorias ecléticas ou mistas: concepção retributiva (basicamente hegeliana) com os fins preventivos, gerais e/ou especiais da pena. Neoretribucionismo: miscigenação da prevenção e da retribuição, baseada na necessidade e equanimidade da pena, sem os exclusivismos das teorias unilateralmente dispostas. Teorias agnósticas (Salo de Carvalho): fundamento político, e não jurídico.
d) nova prevenção: (C. Zackseski): crítica às teorias preventivas, em face de “resposta
penal simbólica e não instrumental ao fenômeno da criminalidade e à insegurança
urbana”: proposta neo-preventiva que desloca o enfoque da prevenção
penal para um momento anterior à prática da infração e que se realiza por meio
de instrumentos não-penais (ZACKSESKI, 2000, p. 176), nos âmbitos da criminologia
e da política criminal ao invés do círculo da dogmática penal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário