sexta-feira, 21 de junho de 2013

Positivismo jurídico e normativismo jurídico: noções gerais

Fonte: http://media-1.web.britannica.com/eb-media/73/25073-004-D636B2E7.jpg
O Positivismo - e, mais especificamente, o Positivismo jurídico - constituiu, ao longo de 300 anos de História, uma tentativa de cientificização do Direito, a partir da crítica aos postulados universalistas, atemporais e imutáveis que o jusnaturalismo imprimiu às tentativas de se explicar adequadamente o que é o Direito.

Deita suas raízes no Positivismo filosófico de Comte, Durkheim e Mill, partindo da impossibilidade de noções absolutas, com a renúncia da origem e destino do Universo em cima de fatalismos abstratos, negando, assim, incognoscibilidade das coisas.

Para os positivistas, é possível compreender a priori determinada categoria, inexistindo um conceito de "essência" dos objetos (e, portanto, do Direito). Extremamente empíricos (ou seja, baseando as reflexões em cima da experiência ou da concretude a ser analisada), o positivismo filosófico se apropriava do método experimental, no qual a observação do fenômeno constitui instrumento para compreensão das relações invariáveis de semelhança e sucessão (noção de lei, tal qual na Física).

O Positivismo científico no Direito teve em Comte, Durkheim, Mill e Lombroso a redução da realidade humana ao fenômeno físico, bem como a separação entre ciências humanas e sociais (moral, direito), das físicas e naturais. No Positivismo científico a liberdade é questionada - e, a bem da verdade, negada - em face do forte determinismo causal, numa  rigidez fisiologicista.

No âmbito do Positivismo jurídico, grande expressão teve Kelsen, Gray, Probert, Rousseau, Kant e Ripert seus maiores expoentes. Como se trata de uma postagem de linhas gerais, não vou me ocupar em fazer uma dissecação de cada qual, deixando para um momento posterior a elaboração de textos próprios, com as respectivas teorias.

A obra de Kelsen - Teoria Pura do Direito - identifica o Direito com o Direito Positivo, por intermédio da construção de um modelo prescritivo que teve na Teoria Pura do Direito sua maior expressão. Nela Kelsen purifica, ou seja, aparta - ou procura justificar a apartação - entre o Direito e a Moral, para atribuir validade na vigência. Ou seja, a norma tem poder de coercibilidade (potencialidade de sancionar) e coatividade (poder imediato de obrigatoriedade) porque entra em vigor, depois de um processo jurídico de elaboração e colocação no ordenamento jurídico. Com isso, a norma coage e obriga porque está em vigor.

Uma das maiores polêmicas consiste na polarização entre Kelsen e Kant, em face das respectivas doutrinas sobre Direito. Kant trabalha a partir da compreensão de imperativo categórico, a partir da norma implícita "não matar" contida no preceito proibitivo da lei. 

Ao contrário, Kelsen não entendia na moralização uma via de legitimidade do Direito, mas sim na construção de um imperativo hipotético, no qual a hipótese fática (sein, o ser) pode (ou não) subsumir-se ao conteúdo preconizado em norma. 

Tomando como exemplo o art. 121, no qual consta o verbete "matar alguém - pena reclusão, 6 a 20 anos", o imperativo kelseniano não proíbe moralmente o evento, mas, antes, atribui como resultado ou consequência (chamada consequência jurídica) uma sanção penal ante o cometimento do ato. Com isso formula o enunciado:

Se A é, então B deve ser, no qual a assertiva "se A é" representa o sein (ou seja, a realidade fática - ou o comportamento humano no mundo real), que, uma vez subsumido (ou seja, encaixado) ao preceito primário (o comportamento em tese colocado no texto de lei), acarreta o preceito secundário ("então B deve ser") . O "ser" é, dentro disso, o sein kelseniano (sein = ser em alemão), em face do sollen (ou seja, do dever ser). 

Para a doutrina da decisão judiciária (ou teoria da decisão judiciária) de Grey, o fundamento do Direito reside na obra interpretativa do juiz, e não na atividade legislativa. Ao contrário da tradição alemã de Kelsen, Grey representa forte pensamento estadunidense, que espelha na força do precedente (precedent case) o veículo de legitimidade do Direito. Com isso, é o juiz - no qual se reputa credibilidade e confiança - que se deposita a legitimidade para a interpretação das normas.

Qual a maior crítica feita ao positivismo? 

Simples. 

A ausência de reflexividade sobre seu conteúdo valorativo, confundindo-se a realidade jurídica com a norma (normativismo) ou, ainda, com a própria lei (legalismo). De mais a mais, o positivismo reduz o Direito ao que é criado pelo Estado, não captando e legitimando o que não é estritamente produzido pela atividade legislativa (essa é, inclusive, a maior crítica de Lyra Filho) (1999, p. 30) ou pela jurisprudência.

Outro ponto interessante - em termos de críticas - consiste na aparência de neutralidade (conceito invocado pelo Positivismo, quase sempre em nome, por exemplo, de uma bandeira de igualdade formal, ou seja, posição jurídica perante a lei) do intérprete. Imbuído de uma ingenuidade, o hermeneuta insere-se - como bem lembra Wolkmer (2003, p. 67) - em um universo simbólico, linguístico e hermenêutico fortemente comprometido com ideologias de grupo e classes dominantes, não sendo meramente um aplicador isento de valores. Antes disso, é um replicador ideológico que pode tanto sustentar status quo como, de outra sorte, empreender a mudanças estruturais em uma sociedade, usando o Direito. 

Ou seja, o intérprete (advogado, juiz, promotor, ministro, procurador, defensor, delegado etc.) imprime para sua atividade sua carga idiossincrática (símbolos e representações), bem como seus valores, sendo até mesmo inócua a discussão (piada) sobre neutralidade. Trata-se de mito dizer que o profissional do Direito "se distancia" para julgar ou apreciar a situação com "isenção de valores". 

Não podemos esquecer, ainda, que o Positivismo, assim como o Jusnaturalismo, deu azo - como instrumento ideológico - à conquista liberal em que o Estado se confunde com a vontade individual coletivizada, em um esforço de compreensão do cidadão como participante - em patamar de igualdade formal diante da lei - da sociedade política (ao menos no plano formal, como dito), em contraponto ao alijamento - no plano material - desse mesmo cidadão, no plano jurídico-político (a exemplo da incongruência trazida pela inexistência de igualdade na distribuição de renda em uma sociedade).  

A advertência quanto à ideologia com a qual o Positivismo firmou-se como dogma (daí o nome dogmática jurídica, designando o estudo sistematizado dos pressupostos do Direito enquanto ordem estatal, norma estatal) também se encontra na pauta de críticas fortes ao Positivismo, reproduzido como falsa crença de ideal democrático e libertário (paradigma liberal), mas que encobre discriminações (sobretudo em uma sociedade como a brasileira, com fortes contradições internas).

Por fim, acredito ser extremamente pertinente traçar uma distinção entre alguns conceitos utilizados como sinônimos no mundo jurídico. Não podemos confundir o positivismo jurídico, codificação e normativismo jurídico. O primeiro relaciona-se ao método ou a sistematização do Direito estatal, que pode ser codificado (ou não, a exemplo do sistema de precedente). O normativismo, por seu turno, consiste na redução de toda a realidade do Direito ao universo normativo (ou seja, o que não está contemplado em norma não consistiria em instrumento de materialização do Direito).


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