Imagino a surpresa dos alunos e das alunas quando, no primeiro dia de aula,
falamos que o conceito jurídico de crime, bem como a maneira como a
dogmática trabalha o conceito é completamente distinta do senso comum.
Costumo sempre começar com uma brincadeira ingênua, dando conta de uma
situação-problema na qual os alunos se deparem - ao entrar na sala - com
um cadáver imerso em uma poça de sangue de 5 metros de diâmetro, um
buraco de bala na têmpora e a arma ao lado.
Um aluno afoito iria logo perguntar: "quem matou", mas em termos de
pesquisa, ciência e, sobretudo, dogmática penal, acredito que a pergunta
mais adequada seja "o que aconteceu aqui?" ou, ainda "houve algum
crime?" para, aí sim, adiante, poder ser perquirida a autoria.
Como toda ciência o Direito Penal necessita definir seu campo de estudo,
dentro de uma metodologia adequada - ainda positivista - e que não atribua
em demasia conteúdos extrapenais que poderiam contribuir para o
afrouxamento nas regras de definição do que é crime.
Assim, o conceito de crime é elaborado ante a necessidade
de se estruturar
uma teoria coesa sobre o que é entendido como crime, uma vez
existirem,
por exemplo, condutas que são consideradas crime em determinados
locais,
sendo irrelevantes em outros. Ou, ainda, o grau de reprovação ser maior
ou
menor (ex: adultério para o Brasil e o mesmo para o Afeganistão).
Em um primeiro momento pode-se partir de um conceito formal, que se
interessa pelo aspecto externo, formatação do crime, revestimento e que se
pauta no que é explícito a partir do conteúdo da lei penal. Para MAGGIORE
crime é qualquer ação punível, bem como para FRAGOSO constitui toda ação
ou omissão proibida
pela lei, sob ameaça de pena. Com isso, o crime sob a
perspectiva ontológica da
definição legal: é o que a lei penal define como
tal. Seria suficiente esse conceito?
Acredito que não, pois o mero aspecto formal não leva em consideração o
conteúdo do que o legislador considera relevante em termos de bem jurídico,
exsurgindo, então uma concepção material, que diz respeito ao estudo
pormenorizado das profundezas do delito, entendendo-se,
assim, sua
essência. Conteúdo teleológico pelo qual se categorizam certas
condutas
como crime. Tem como base o aspecto social, no que diz respeito ao que
a
sociedade entende como sendo objeto da valoração e da tutela jurídico-penal.
Daí para FRAGOSO crime constituir ação ou omissão que, a juízo
do
legislador, contrasta violentamente com valores ou interesses do corpo
social, de modo a exigir seja proibida sob a ameaça de pena. Ou
para MANZINI: delito é a ação ou omissão,
imputável a uma pessoa, lesiva
ou perigosa a interesse penalmente protegido,
constituída de determinados
elementos e eventualmente integrada por certas condições,
ou acompanhada
de determinadas circunstâncias previstas em lei.
A dogmática jurídica, em sua independência epistemológica, elaborou ao
longo dos séculos conceitos jurídicos, definições sobre o crime, formatando o
que se chama de conceito analítico, que nada mais é do que o pilar de
sustentação do estudo da dogmática
jurídico-penal. Tentativa de redução a
um conceito puro do que vem a ser o
crime em aspectos jurídicos.
Daí por DEFINIÇÃO, ainda que com nuances, crime ser uma conduta (ou fato)
típica, ilícita e culpável. Com isso temos dois elementos centrais: um de
natureza fenomênica, uma CONDUTA (que está no plano físico) que será
VALORADA segundo os componentes mencionados. Uma importante
consideração surge daí: o crime é um somatório entre MUNDO REAL (FATO,
ATO, COMPORTAMENTO) e a VALORAÇÃO DADA PELO DIREITO.
Outra importante consideração: no CBP (Código Penal Brasileiro) não existem
crimes, e sim TIPOS PENAIS, tendo em vista que o perfazimento do conceito
de crime se faz com um ELEMENTO DO MUNDO FACTÍVEL (conduta, ato, fato)
e uma VALORAÇÃO ELABORADA PELO DIREITO (típica, ilícita e culpável).
A despeito de os gregos e os romanos fazerem diferença entre crime e delito,
para o direito brasileiro inexiste distinção, pois ambos refletem a
ofensividade ao bem jurídico tutelado. Uma importante distinção, contudo,
consiste na separação dada pela lei entre crime e contravenção penal,
também chamado de delito anão ou crime anão.
A LCP traz um rol de condutas que usualmente têm sanção mais abrandada
do que as contidas no CBP e nas legislações esparsas. Daí ser meramente
político-criminal o critério para a separação entre o que é crime e o que é
contravenção penal, mesmo que, a bem da verdade, em face do quantitativo
da pena aplicada, bem como do modelo de cumprimento - detenção - isso
aloje a contravenção em uma ofensividade menor, passível de
encaminhamento para o Juizado Especial Criminal.
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