segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Tipo e tipicidade: as relações de subsunção e os elementos constitutivos

Tipo penal, esse ilustre paradoxo descritivo/prescritivo, traz um conceito de relevo para a teoria do crime: a tipicidade, que nada mais é do que a adequação da conduta ao molde (tipo). Tal relação - bem como o próprio tipo penal - deriva do princípio da legalidade, definidor de modelos que se irradia para vários âmbitos do direito.

Para se estudar a relação de encaixe ou subsunção típica (outros nomes para a tipicidade) as doutrinas partem de um consenso de igualmente dividir o tipo penal em componentes ou elementos, os chamados elementos constitutivos do tipo: elementos objetivos, subjetivos e normativos

Os elementos objetivos (ou tipos objetivos) são simplesmente as palavras componentes do tipo, a exemplo do famoso homicídio, que traz os elementos objetivos "matar" e "alguém". A relação de subsunção - tipicidade - precisa considerar o estrito encaixe entre as partículas em questão no tipo e o fato concreto. Assim, precisamos saber o que é matar, qual o momento em que se considera a morte etc., bem como necessitamos saber o que é "alguém", ou seja, quando se considera a morte de uma pessoa. 

Já os elementos normativos são as partículas descritivas que encerram um juízo relativizável de valor quanto ao significado, a exemplo do "motivo torpe", cujo enunciado trouxe discussões quanto ao alcance (os ciúmes, por exemplo, que já foram considerados pela doutrina e jurisprudência como motivo torpe e que, dependendo da situação em concreto, não são, sendo tidos como reação humana natural). 

Os elementos subjetivos são o conteúdo de vontade do agente no momento da ação, ou seja, o colorido da conduta, o preenchimento do querer direcionado à ação. Estão dispostos no art. 18 do CPB nas modalidades de dolo e culpa. Particularmente acrescento a essa lista o preterdolo e fazendo uma brecha para falar, depois, do crime agravado pelo resultado, pois estão nesse contexto de dimensionamento de vontade. 

O dolo constitui consciência e vontade de realização do tipo objetivo de um delito, não se tratando pura e simplesmente de vontade, mas de consciência em relação ao comportamento. Também não se confunde o dolo com a motivação da ação (raiva, ciúme etc.) porque dolo diz respeito ao comportamento descrito na norma penal (tipo). A motivação, quando muito, pode qualificar um crime (no caso do homicídio) como contribuir para a dosimetria da pena. 

O CPB segue a teoria da vontade (intenção de praticar o fato) e do assentimento (previsão e consciência do resultado) e se divide em direto, quando o agente almeja resultado determinado e que lhe é certo, a exemplo de disparar uma arma para matar. Ou indireto, quando existem opções, a exemplo do agente que atira OU para matar OU para ferir (dolo indireto alternativo, pois existe o OU que dá opções de satisfação ao agente), bem como do eventual no qual o agente é indiferente ao resultado, tolerando-o como resultado de sua ação.

Já a culpa - chamo sempre a culpa de "a grande ficção do finalismo" - está relacionada a uma construção sobre a atribuição de responsabilidade, pois, grosso modo, do nada nada surge. Liga-se a resultados não desejados pelo agente que, contudo, em seu comportamento cotidiano, "dá causa" a resultados que lesionam bens jurídicos. Trata-se de uma estrutura cognitiva distinta do dolo, pois enquanto esse direciona-se ao fim colimado pelo agente em sua ação ofensiva, na culpa a ofensividade advém do extrapolamento de comportamentos. 

O agente, no caso, prevê e deve evitar certas condutas em seu trato diário, observando o chamado DEVER DE CUIDADO OBJETIVO (é isso que traz a imputação: o agente não quer o resultado, mas não é cuidadoso em evitá-lo). Esse "cuidado", grosso modo, quando inobservado, incorre nas modalidades descritas em lei. 

A imprudência consiste na prática de um fato perigoso, a exemplo de dirigir falando ao celular, com uma mão apenas ou, ainda, em velocidade acima da via. A negligência por sua vez, redunda na ausência de precaução, na omissão em relação à cautela, a exemplo de um médico que deixa um bisturi no abdômen do paciente (aqui ele não deixou deliberadamente, ou seja, não agiu imprudentemente, mas, antes, não agiu quando deveria agir). A imperícia consiste na ausência de aptidão técnica para o exercício de determinada profissão, ofício, arte etc. e demanda uma profissionalização. Uma pessoa que dirige sem habilitação - não a obteve - incorre nessa modalidade, pois não houve o reconhecimento oficial. Um dentista que realize uma cirurgia de alta precisão no cérebro de alguém igualmente incorre na imperícia. 

Importante ressaltar que a culpa envolve modalidades: consciente, na qual há previsão do FATO LESIVO, não o agente NÃO ACEITA (pois se aceitar e querer trata-se de dolo) e inconsciente, na qual o resultado é totalmente imprevisto. 

Nas situações de trânsito fala-se muito na CULPA CONSCIENTE e no DOLO EVENTUAL, mas são conceitos totalmente distintos, pois enquanto na primeira HÁ PREVISÃO (ou seja, eu posso prever que um acidente poderá acontecer? Sim, é previsível, pois se trata de risco) mas NÃO SE ACEITA O RESULTADO. Já no dolo eventual HÁ A PREVISÃO E O RESULTADO É INDIFERENTE PARA O AGENTE

Assim, em matéria de trânsito, sempre costumo apontar para uma estrutura mnemônica mais ou menos assim:

CULPA = ACIDENTE por "dar causa"
DOLO = INCIDENTE por "produzir"

Existem, porém, algumas situações nas quais se manifesta uma estrutura híbrida chamada preterdolo (além do dolo). É o caso do art. 129 em seu parágrafo terceiro: "Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo". Ou seja, o desiderato do agente era produzir ofensividade à integridade física mas gerou morte não perseguida por ele. 

Vemos aqui um direcionamento de vontade claro (lesão) na conduta original, mas o desmembramento causal dela advém a título de culpa, acarretando uma punição maior, pois o agente poderia ter tido mais cautela para que a morte não sobreviesse. Esse é o chamado preterdolo, composto de uma ação originária a título doloso que se intensifica - sem a intenção - e resulta em algo mais danoso

Agora olhem que interessante o latrocínio: "Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de 7 (sete) a 15 (quinze) anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, sem prejuízo da multa" pois diferentemente do preterdolo acima, aqui nada se fala sobre o querer. Uma pedra no calo, pois parte da doutrina fala em preterdolo, outra fala em crime agravado pelo resultado. 

Faço distinções. Se num caso concreto estamos diante de um agente que almeja a morte conexa ao roubo - para assegurá-lo - não há que se falar em preterdolo porque não existe estrutura de vontade híbrida - dolo no antecedente e culpa no consequente: há dolo o tempo inteiro. 

Agora diferente é a conduta de um agente que, num assalto, assusta-se e deixa a arma disparar, pois aqui, sim, existe um preterdolo. O que fazer? Diferenciar latrocínio (subtração e morte desejados) do roubo seguido de morte (subtração desejada mas morte não). Entendo como impropriedade da lei, que não fez distinção. 

O juiz poderá fazer... na dosimetria da pena, sob risco de incorrer em violação ao princípio da individualização da pena, bem como da isonomia.






Um comentário:

Unknown disse...

Super interessante! Me esclareceu muitas duvidas sobre o dolo e a culpa. Execelente linguagem! Recomendo a todos os estudantes de Direito iniciantes, como eu.